Linguistas moçambicanos criticam Acordo Ortográfico

Portugal e o Brasil negociaram o Acordo Ortográfico sem atender às especificidades dos países africanos, acusa o linguista Feliciano Chimbutane, da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo.

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Sala de aula em Moçambique Nelson Garrido

O linguista moçambicano Feliciano Chimbutane afirmou à agência Lusa que a discussão sobre o Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90) nos países lusófonos foi bipolarizada, considerando que o debate foi dominado por Portugal e Brasil, ignorando os outros países falantes de língua portuguesa.

"O grande problema sobre o Acordo Ortográfico reside no facto de que, inicialmente, disse apenas respeito a Portugal e Brasil, e as outras nações foram simplesmente levadas na trela”, defendeu Chimbutane . Não houve a atenção de integrar as preocupações das outras nações", disse ainda o professor de linguística da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, cujas áreas principais de investigação têm sido a morfologia e a sintaxe do português e das línguas bantu e as questões do ensino bilingue em contextos pós-coloniais.

Para o investigador moçambicano, as intenções do novo Acordo Ortográfico "são boas", na medida em que, argumenta, é importante que se aglutinem as várias formas existentes, procurando uma uniformização da escrita na língua portuguesa. "A escrita é resultado de uma convenção: as pessoas sentam-se e decidem como deve ser a escrita", diz Feliciano Chimbutane.

Mais céptica quanto às eventuais vantagens do AO 90, a especialista em línguas Fátima Ribeiro considera que a questão do novo Acordo Ortográfico não possui nenhuma relevância para Moçambique, na medida em que o país, afirma, ainda tem muitos problemas que deviam constituir prioridades.

"Nós não temos capacidade financeira para aplicar tudo aquilo que a adesão ao Acordo Ortográfico implica, por exemplo a revisão dos livros escolares, ou a formação dos professores e dos próprios jornalistas", garante Fátima Ribeiro.

Para esta linguista, o Acordo Ortográfico não atingiu o seu principal objectivo, que era o de uniformizar a escrita entre Portugal, Brasil e os outros países falantes de língua portuguesa. "Nós continuamos a ter grafias duplas para muitas palavras", observou, acrescentado que "não é relevante que a escrita seja universalidade".

Fátima Ribeiro entende ainda que o AO 90 não contempla todos os aspectos que devia, ilustrando, a título de exemplo, a questão das influências que o português está a ter das línguas bantu. "O acordo ortográfico devia ter sido uma oportunidade para discutir, por exemplo, como representar alguns sons das línguas bantu”, defende. “Isso seria útil para países como Angola e Moçambique".

Fátima Ribeiro disse também que o ensino bilingue, que está a ser introduzido no ensino primário em Moçambique, vai diminuir o contacto que as crianças têm com a língua portuguesa, principalmente nas zonas rurais. "A língua portuguesa, com o ensino bilingue, vai entrar apenas como uma disciplina. Sendo a escola um importante meio de difusão da língua, tenho uma certa reserva sobre o que será da língua portuguesa", adiantou a especialista.

Moçambique, tal como Angola, não ratificou o tratado. Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste já o fizeram, mas só no Brasil e em Portugal o Acordo Ortográfico está já a ser aplicado de forma generalizada.

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