Levar o Alentejo à capital “através de um canto preocupado com o futuro”

Pedro Mestre apresenta no CCB, em Lisboa, as canções de Campaniça do Despique e a atmosfera do Alentejo e do seu cante. Esta terça-feira, às 21h.

Foto
Pedro Mestre: "O cante que se faz hoje é actual, está vivo" DR

Não é todos os dias que o Grande Auditório do CCB se abre a um canto como este. Campaniça do Despique, trabalho de Pedro Mestre, é pretexto para fazer soar em Lisboa, a muitas vozes, a força do cante alentejano, que a UNESCO distinguiu como Património Imaterial da Humanidade.

Lançado em Fevereiro deste ano, o disco motiva o espectáculo, mas este irá mais além, como explica o músico: “Quando se trata da tradição, de sentimentos, isso não se consegue transmitir integralmente num disco. Por muito que queiramos, isso não acontece. E o concerto, partindo do repertório do disco, vai mais além. Cada um dos convidados fará uma cantiga comigo e depois ficam em palco para apresentar mais uma peça do seu próprio repertório. Além disso, estará comigo um grupo coral de trinta homens, o Rancho de Cantadores da Aldeia Nova de São Bento, a mostrar o cante com peso, com força. Esta música, ao vivo, nunca é feita da mesma maneira.”

Com Pedro Mestre, no CCB, estarão, além do rancho de cantadores, um outro coro, os Cantadores do Sul; José Manuel David (integrante, como Pedro Mestre, do grupo 4 Ao Sul, com José Barros e Rui Vaz) no piano, órgão de tubos, acordeão e flauta; Tânia Lopes, percussão; Vasco Sousa, viola baixo e contrabaixo; Janita Salomé, voz; Fábia Rebordão, voz; Jorge Fernando, voz e guitarra clássica; Pedro Calado, voz; e Henrique Leitão, guitarra portuguesa.

“Vou tentar trazer o Alentejo à capital através de um canto preocupado com o futuro. Um canto que tenciona evoluir”, diz Pedro Mestre. Fazê-lo numa sala como o CCB, que ao longo dos anos tem abrigado múltiplos géneros musicais, “é uma grande responsabilidade mas também uma grande satisfação. Trazer o cante, trazer a viola campaniça, os cantadores, mas trazer também a inovação. Mostrar às pessoas o que temos em mente, e que é neste caminho que está o futuro de uma música que já não se identifica, no seu todo, com o trabalho do campo ou com a taberna.”

O canto ao despique que dá nome ao disco é um canto alentejano ao desafio. Pedro Mestre, que ao longo de duas décadas tem trabalhado em discos de tradição e de recolha etnográfica, quis com este seu trabalho assinalar que a tradição se renova sem pôr em causa a raiz original do cante:

“É um canto do povo, espontâneo. Cada cantador que canta, interpreta o cante à sua maneira. E ao recriá-lo, está a criar.” Mas o enquadramento social do cante tem-se alterado com os anos. “Uma coisa é cantar no trabalho do campo, em que o canto tem a função de aliviar a carga de trabalho, distrair as mentes e fazer o tempo passar mais depressa. Como se diz: ‘mais depressa passa o dia, mais depressa passa a hora.’ Outra coisa é o canto na taberna: aí transforma-se. É o habitat natural do cante. Quando ele se perder aí, pode também perder-se nos outros lugares.”

Mas não se tem perdido, diz ele. A raiz mantém-se intocada, mas o resto evolui com o tempo: “Nós precisamos sempre da raiz, que é ainda onde eu estou; uma árvore só consegue ter uma grande copa se tiver uma grande raiz. E esse é o motivo e a razão por que nós temos o cante a renovar-se, com cantadores mais jovens a aparecerem.” Esta é a sua principal preocupação, agora. “O cante alentejano sempre esteve ligado à terra e a um passado muito sofrido, e o povo tem esse orgulho, essa forma de estar. Mas isso vai evoluindo. O cante que se faz hoje é actual, está vivo. Não são réplicas de modas antigas. E o Alentejo sempre soube cantar as coisas do seu quotidiano. Por isso as novas gerações estão a vir para o cante e a dar-lhe a sua própria interpretação.”

Sugerir correcção
Comentar