Leonor Antunes: uma portuguesa discreta conquista a América

A artista inaugura a sua primeira exposição individual num museu da Nova Iorque: o New Museum, em Nova Iorque. Seguem-se instituições como o MoMA de São Francisco e o Museu Tamayo, na Cidade do México.

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Perspectiva da instalação de Leonor Antunes na Bienal de Berlim 2014 Nick Ash, cortesia da artista e da Galeria Luisa Strina, São Paulo
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Perspectiva da instalação de Leonor Antunes na Bienal de Berlim 2014 Nick Ash, cortesia da artista e da Galeria Luisa Strina, São Paulo
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A artista plástica Leonor Antunes Adriano Miranda

Há artistas que aparecem em todos os jornais e revistas – países inteiros sabem nomeá-los e reconhecê-los. Mas isso, por si só, não quer dizer nada. Muitas vezes são as figuras discretas, desconhecidas do grande público, que traçam os percursos mais importantes, afirmando-se em circuitos de primeira-água. É o caso de Leonor Antunes.

Aos 43 anos, a artista inaugura esta terça-feira a sua primeira exposição individual em Nova Iorque. Não numa galeria, mas num museu: o conhecido New Museum, uma torre branca entre os prédios de tijolo da Bowery que é um dos poucos museus do mundo exclusivamente dedicado a artistas emergentes à escala internacional. Uma instituição que se especializou em identificar promessas sólidas e em servir-lhes de rampa de lançamento para o degrau seguinte: as estruturas do topo de pirâmide que, na capital cultural norte-americana, são monstros sagrados como o MoMA, o Whitney e o Guggenheim.

“É claro que achamos que a Leonor pode crescer. É por isso que a estamos a programar”, diz-nos a dada altura Helga Christoffersen, em breve conversa telefónica.

Christoffersen é a curadora de I Stand Like a Mirror Before You, a exposição com que Leonor Antunes ocupa a Lobby Gallery, a área expositiva do piso térreo do New Museum. É um espaço peculiar: em vidro, na sua face interior, oferece-se às áreas sociais do museu, do outro lado abre-se em transparência à rua – o Lower East side de Manhattan. Devido a estas características, o museu opta normalmente por fazer ocupar esta zona por artistas que não se limitem a expor obra mas sejam sensíveis à necessidade de um trabalho de profundidade do espaço. Christoffersen diz ter identificado essa capacidade em Leonor Antunes na última Bienal de Berlim, no Verão passado.

A artista, que nasceu e cresceu em Lisboa, vive em Berlim desde 2004. Não fez parte da primeira leva de artistas da sua geração a chegar à então nova e vibrante capital europeia das artes. No entanto, tem sido um dos nomes que melhor tem aproveitado o trampolim de uma cidade que assumiu nos anos 00 o papel que Paris e Londres ocuparam noutras décadas, para gerações históricas. “Todos os trabalhos da Leonor [na bienal] eram [peças] individuais, mas uniam-se de forma muito rica nas suas diferenças, materiais, densidades, transparências… A Leonor tem uma linguagem muito rica. Não eram presenças singulares, tudo parecia fazer parte de um uno maior. Era entrar num ambiente. E essa forma de usar e ocupar o espaço teve um grande impacto em mim”, explica Christoffersen.

A bienal decorreu de Maio a Agosto. O convite para o New Museum chegou em Dezembro. Este ano era, diz a curadora, “a altura certa”. Mas por pouco. Antes de Dezembro Leonor Antunes tinha recebido já convites para exposições individuais no KIOSK de Genht (2015), no Museu de Arte Contemporânea de Bordéus (2015), no Tensta Konsthall de Estocolmo (2015), no MoMA de São Francisco (2016)  e no Museu Tamayo da Cidade do México (2017). Isto em instituições museológicas. Depois há que contar com projectos de outras naturezas, como a intervenção que a artista foi convidada a fazer na High Line, o parque linear construído em Nova Iorque sobre as vias desactivadas da via férrea central (2016). 

E este tem sido o ritmo da artista ao longo dos últimos anos, à medida que foi passando por instituições como o Museu de Arte Contemporânea de Chicago (2011) ou o MIT List Visual Arts Center (2012) e se foi juntando ao naipe de artistas de um leque de galerias importantes na cena internacional, da Isabella Bortolozzi (Berlim) à Luisa Strina (São Paulo), passando pela Air de Paris e uma futura colaboração com a Kurimanzutto, que ajudou a afirmar a explosão mexicana na cena internacional.

Isto num percurso que apenas esporadicamente passa por Portugal, onde Leonor Antunes expõe com pouca regularidade e onde não está representada por qualquer galeria. Nunca esteve, aliás – nos anos que seguiram a sua formação na Escola Superior de Belas Artes, nunca chegou a ser agarrada pelo circuito galerístico nacional, que revelou incompreensão em relação à sua prática.

As palavras da artista são tranquilas – sem sombra de desprezo nem a acidez da  mágoa: “Pois… Acho que o meu percurso não é muito conhecido em Portugal. É natural. Exponho pouco em Portugal e não tenho galeria.”

Ao telefone de Nova Iorque, nas primeiras horas da sua montagem, a artista explica que optou por apresentar apenas trabalhos feitos especificamente para o New Museum: cinco esculturas suspensas e um chão feito em cortiça e linóleo, um soalho fluante gravado e com cerca de 20 metros por cinco.

A peça que cobre o chão da Lobby Gallery intitula-se discrepancies with A.A.. Refere-se a Anni Albers, a primeira designer de sempre a conseguir uma exposição individual no MoMA de Nova Iorque – em 1949.

Leonor Atunes tem vindo a trabalhar assiduamente a partir do legado de designers e artistas das décadas de 1940 e 1950, a generalidade das quais, devido ao contexto específico da sua época e das suas práticas não chegaram a ter um lugar na história da arte equiparável ao dos seus pares masculinos das grandes disciplinas históricas, tidas como nobres – a pintura e a escultura.

No caso de Anni Albers, Leonor Antunes trabalhou a partir do padrão de uma tapeçaria da colecção do MoMA – o padrão surge gravado no chão e é citado nas cinco esculturas suspensas de uma trama de corda de tecto criada pela artista e que mimetiza uma grelha do tecto do espaço, rebaixando-o e sugerindo fluidez e mobilidade. As esculturas são feitas em materiais com que Leonor Antunes tem vindo a trabalhar regularmente: tubos e fios de bronze, couro e nylon. Depois, entre estas obras, cinco placas em degradées de plexiglas transparente e translúcido destribuem a luz e sugerem percursos.

Leonor Antunes fala também com traquilidade da relevância desta exposição no seu percurso: “Acho que vai ser importante. Não sei até que ponto as pessoas aqui conhecem o meu trabalho. Já expus cá em colectivas, em galerias, mas ainda não tinha decidido aceitar nenhum dos convites para uma individual. Este é um museu super popular. Está sempre cheio de gente. Acho que vai ser importante.”

Já Helga Christoffersen recorda o que é Nova Iorque: “O público desta cidade é incrivelmente vasto.”

Na Física, massa crítica é a quantidade minima de material capaz de espoletar uma reacção em cadeia – a massa crítica que se reune em Nova Iorque é imensa. E costuma passar pelo New Museum, um espaço assinado pela dupla japonesa Sanaa que um dos críticos de arquitectura do New York Times descreveu em tempos como um pequeno loft do Soho que morreu e foi para o céu.  

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