Júris para os apoios ao cinema e audiovisual têm novas regras

ICA promove a elaboração das listas finais de jurados. O sector divide-se.

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Continua a polémica dos júris no cinema português Leonel Balteiro

A Secção Especializada do Cinema e Audiovisual (SECA) aprovou esta quinta-feira uma nova metodologia para a constituição dos júris que, sob a organização do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), vão decidir os apoios à produção, distribuição e exibição de cinema e audiovisual em 2016.

Na assembleia-geral convocada pela secretaria de Estado da Cultura/ICA, realizada no Palácio da Ajuda, em Lisboa, estiveram duas propostas em disputa. Saiu vencedora a que foi apresentada pelo próprio instituto presidido por Filomena Serras Pereira, depois de reformulada com algumas sugestões apresentadas pelo representante da RTP, José Navarro de Andrade, tendo reunido 16 votos, contra os sete angariados pela proposta subscrita por Rui Silva Lopes, em nome da SIC, mas também apoiada pela TVI, pelos operadores da televisão por cabo e pelos realizadores António-Pedro Vasconcelos e José Carlos de Oliveira.

Segundo a proposta vencedora, os novos júris serão elaborados pelo ICA a partir de listas de 15 personalidades que cada membro da SECA poderá apresentar para o conjunto dos concursos.

Partindo do mesmo pressuposto, a proposta apresentada pela SIC limitava o número de jurados a propor por cada membro da Secção, e condicionava também a intervenção do ICA, que não poderia “discricionariamente eliminar da lista de jurados por concurso qualquer dos nomes propostos pelos membros da SECA” sem fundamentar tal decisão.

Em qualquer das propostas, e como decorre da Lei do Cinema, cabe à SECA a aprovação final das listas elaboradas pelo ICA.

“Esta decisão é um retrocesso histórico; estamos a regressar ao tempo do Estado Novo, com o ICA a escolher e a apresentar listas fechadas a partir de critérios completamente subjectivos”, diz o realizador António-Pedro Vasconcelos, descontente com a decisão tomada.

Em sinal contrário, o produtor Luís Urbano – que no ano passado se demitiu da SECA, mas entretanto regressou “a convite do secretário de Estado da Cultura" – classificou a decisão como “um mal menor”. “É sabido que sou contra o facto de a SECA ter o privilégio da aprovação final dos júris, como diz o decreto-lei. Mas o que se votou agora foi positivo, porque vai estabilizar o processo”, comenta o produtor de O Som e a Fúria, referindo-se a outra decisão da assembleia-geral, que faz valer a nova metodologia até uma possível alteração da Lei do Cinema.

Para além da votação sobre "um caminho mais equilibrado para a escolha dos júris", "foi encetado um debate sobre as prioridades estratégicas para o futuro na área do cinema e do audiovisual, que se consubstanciarão na realização de uma reunião em Setembro e na criação de um grupo de trabalho aberto para debater os temas prioritários para o sector", diz o gabinete de imprensa do secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, em resposta ao PÚBLICO por email.

Longo diferendo

A votação desta quinta-feira vem prolongar, assim, um diferendo que se mantém há muito tempo no sector do cinema e audiovisual no país e que teve momentos mais agudos nos últimos dois anos, com representantes desta actividade a lançarem acusações mútuas de manipulação dos júris.

Os episódios mais recentes deste processo começaram no passado dia 17 de Junho, quando o secretário de Estado da Cultura convocou uma primeira reunião da SECA com o objectivo de actualizar as normas relativas às escolhas dos júris do cinema.

Dessa primeira reunião saiu vencedora uma proposta apresentada por José Carlos de Oliveira, porta-voz da Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisual (ARCA), mas integrando a SECA enquanto personalidade convidada por  Barreto Xavier. A sua proposta obteve cinco votos contra quatro.

Cerca de um mês depois, o secretário de Estado da Cultura decidiu convocar nova assembleia-geral, ignorando aquele resultado. “A experiência decorrente dos procedimentos adoptados na indicação de jurados para integrarem os júris dos concursos dos dois últimos anos e a baixa representatividade dos participantes na reunião da SECA, no passado mês de Junho, levaram o Instituto do Cinema e do Audiovisual a convocar as 23 entidades e personalidades de reconhecido mérito que compõem a SECA para estarem presentes numa próxima reunião, com o objectivo de obter uma decisão mais participada”, justificou a SEC, em resposta ao PÚBLICO.

José Carlos de Oliveira, a SIC, a TVI e outros operadores de televisão contestaram a decisão de Barreto Xavier e o facto de ele a ter justificado com o carácter apenas consultivo da reunião de Junho. Em comunicado, os operadores das televisões privadas consideraram a actuação do secretário de Estado não só “inesperada” como “contrariando a ética e a obrigação do Estado em promover exemplarmente, mantendo a transparência, o rigor e o princípio de equidade entre os membros da SECA”.

Esta quinta-feira, após a nova votação, Rui Silva Lopes, depois de fazer notar que a aceitava "democraticamente", insistiu nas críticas a Jorge Barreto Xavier. “Foi mais um golpe de asa do Sr. Secretário de Estado da Cultura. Vejo que as coisas ainda continuam com pouca transparência”, comentou ao PÚBLICO o representante da SIC, reivindicando que a proposta que levou à SECA “resultou de nenhum golpe de asa, mas de uma reflexão séria sobre o sector”, numa referência ao expediente do ICA de integrar na sua proposta as sugestões da RTP, que, de outro modo, não teriam cabimento na assembleia.

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