Júlio Verne está vivo e recomenda-se
Uma deliciosa animação para toda a família, cuja invenção fervilhante decorre no universo gráfico da BD franco-belga.
A tendência cada vez mais descoroçoante da distribuição portuguesa não ter sequer a noção dos filmes que tem em mãos parece atingir todas as semanas novos abismos – um dos casos desta semana é o lançamento perfeitamente desatento desta pequena jóia animada oriunda de França, que dá movimento ao universo gráfico e visual do aclamadíssimo autor de BD Jacques Tardi. Abril e o Mundo Extraordinário não adapta, no entanto, nenhum trabalho de Tardi, tratando-se de um argumento original de tendência retro-futurista literalmente steampunk, ambientado num século XX que nunca descobriu a electricidade e onde o vapor continua a ser a tecnologia predominante. Combinando animação tradicional e por computador, o filme acompanha as aventuras da jovem Avril, que busca, em simultâneo, reencontrar os pais desaparecidos 20 anos antes e recriar o misterioso soro de invulnerabilidade que terá levado ao seu desaparecimento.
Avril podia ser uma espécie de Adèle Blanc-Sec, mas o filme de Christian Desmares e Franck Ekinci coloca-se algures entre a nostalgia das aventuras juvenis de Júlio Verne e a “linha clara” da banda desenhada clássica franco-belga (Tintin ou Blake e Mortimer), evocando ao mesmo tempo as trucagens de Ray Harryhausen e as animações fantásticas de Karel Zeman. O resultado é uma delícia retro de fervilhante invenção que está ao nível da originalidade gráfica, por exemplo, das Triplettes de Belleville – filme que, se bem nos lembramos, até fez uma muito apreciável carreira comercial entre nós há uns anos atrás. Não haveria razão para Abril e o Mundo Extraordinário também não a ter – mas seria preciso uma outra atenção a que, claramente, o actual circuito comercial não está disposto.