José da Câmara: “Ser fadista é uma maneira de estar, é sobretudo viver o fado”

Gravado à primeira, sem retoques, Até sempre Sr. Fado é o regresso de José da Câmara aos fados tradicionais. Chega agora às lojas.

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José da Câmara Maria Lino

O nome do disco, Até sempre Sr. Fado, pode sugerir erradamente uma despedida, mas na verdade é um reencontro. Filho de Vicente da Câmara e sobrinho-neto de Maria Teresa de Noronha, o fadista José da Câmara volta aos discos a solo com um trabalho que vive sobretudo do fado tradicional, com novas letras para velhos clássicos.

Mário Raínho, Daniel Gouveia, José Luís Gordo, Norberto Barroca e o próprio José da Câmara dão novas letras ao Fado Menor, ao Fado Isabel, ao Fado Jaime, ao Fados dos Sonhos. E tudo isso gravado à primeira, num espaço há muito inscrito na história do fado. “Este é o disco com mais fados tradicionais que eu gravei até hoje”, diz José da Câmara.

Teria sido num estúdio, se as coisas tivessem corrido de outra maneira. Porque José da Câmara tinha o projecto do disco já todo pensado para arrancar com uma editora, mas afinal não arrancou. Podia ter desistido, mas preferiu avançar. “Pensei: onde é que vou gravar? Queria um sítio com história e então lembrei-me do Palácio de Pintéus [onde cantaram grandes fadistas, entre os quais Amália e Marceneiro] e do João Ferreira-Rosa, a quem eu falei e que logo me abriu os braços. Portanto foi ali, naquela casa de jantar, onde estávamos os quatro, eu e os três, que gravámos.” Essa condicionante acabou por ser favorável ao resultado final. Todos os fados do disco (catorze) foram gravados à primeira, sem repetição, como se fosse um registo ao vivo numa casa de fados. “Com mais imperfeições do que num estúdio normal mas também com mais verdade.” O resultado chega agora às lojas com chancela da Companhia Nacional de Música (CNM).

João Ferreira-Rosa, proprietário do palácio e fadista histórico, também acabou por entrar nas gravações. É ele que dá a voz ao “Fado” no tema de onde saiu o título ao disco, A zanga do fado, com este a queixar-se de maus tratos e de ser “bombo da festa”. “Eu estava a gravar esse tema do Daniel Gouveia quando olhei para o João Ferreira e disse: ‘Ora aqui está um senhor fado à minha frente, eu estou em casa dele, porque não ser ele a cantar a parte em que o fado fala na primeira pessoa?'” Ele aceitou e cantou logo, também à primeira. “Quando o fado está em alta, muita gente de outros géneros musicais vai para o fado. É natural. Quando o fado baixa, quem fica no fado são as pessoas ligadas a ele. Porque ser fadista é uma vivência, uma maneira de estar, é o querer aprender com os mais velhos. Uma família. É sobretudo viver, viver o fado.”

O disco começa por falar do país (Salada de Portugal) e acaba a falar na capital (Lis... boa, Lis... má, outra “zanga” que acaba bem), lembrando de caminho o Porto (Marcha do Porto). E a meio há um fado-oração, Pai Nosso fadista, no Fado Menor: “Eu nunca cantaria essa letra se não fosse católico, para mim é uma oração. E numa oração tem de haver uma certa introspecção. Mas o Fado Menor tem ‘arranques’ e eu senti essa necessidade. Não o consegui totalmente. Como dar ‘arranques’ a rezar?”

A relação de José da Câmara com o fado, para lá do disco, é constante. “Quando uma pessoa canta muitas vezes por semana, há quem diga que não se consegue cantar o mesmo fado todos os dias de uma forma igual. Tem muito que ver com o estado de espírito. Aí é que se reflectem as emoções. À medida que vamos amadurecendo, que apanhamos pancada, que vivemos coisas bonitas, é que vamos sabendo o que é o fado.”

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