Johnny Depp nunca foi tão mau

Não há nada de novo no “filme de gangsters”. Em Black Mass, Johnny Depp é mau como as cobras mas sem a ambiguidade que costuma bailar nas suas personagens.

Fotogaleria
Lá fora, gritam "Johnny, Johnny": o actor não gosta de lhes chamar fãs, diz que são os seus patrões
Fotogaleria
Olhos claros (são lentes de contacto) que penetravam nas vítimas sem remédio, eram assim os de James Joseph Bulger
Fotogaleria
Johnny é mais poético e bailarino a falar da personagem ou a falar sobre si em conferência de imprensa

Talvez seja verdade que nunca antes Johnny Depp tenha sido assim, um sociopata tão frio e letal como as cobras.

Olhos claros (são lentes de contacto) que penetravam nas vítimas sem remédio, eram assim os de James Joseph Bulger, gangster de Boston que nos anos 70 e 80 conquistou território, eliminando a concorrência (a máfia italiana, basicamente) através de uma associação com o FBI, conseguindo, como informador, que as autoridades fizessem por ele o trabalho sujo durante anos. Está ainda vivo, tem 86 anos, cumpre a sua pena na prisão e declinou o pedido do actor para se encontrar com ele.



Talvez nunca Depp tenha sido tão rigidamente mau, sem aquelas alterações de velocidade e de temperatura que fazem habitualmente a ambiguidade bailar nas suas personagens – por exemplo, sobre John Dillinger, que interpretou em Public Enemies, de Michael Mann, Depp disse que o viu sobretudo como um Robin Hood.

Mas essa solidez sem desvario (sem dança), é a cara do filme, Black Mass, de Scott Cooper (exibido fora de concurso). Quer dizer: não há nada de novo por aqui, na frente do “filme de gangsters”, até aquela história do tipo que ajuda as velhinhas na rua e na cena seguinte esborracha um crânio é da cartilha. Cooper, aliás, vem dizendo que a sua escola de cinema tem sido ver ininterruptamente os clássicos e Black Mass é filme de quem, sem possibilidade de originalidade, tem é que se aplicar. O cast ajuda: Joel Edgerton (como Joe Connolly, o agente do FBI que era a ligação a Bulger, de quem fora amigo de infância), Kevin Bacon ou Peter Sarsgaard, e não é heresia dizer que apesar de as atenções estarem viradas para Depp, não há menos coisas interessantes a passarem-se nos outros; até haverá mais.

Johnny é mais poético e bailarino, com o seu tom de voz a roçar os graves e a ameaçar tornar as palavras indistintas (fica cool…), a falar da personagem ou a falar sobre si em conferência de imprensa. Sobre James Joseph Bulger: “Ninguém se levanta de manhã e diz ao espelho, com a escova de dentes, ‘eu hoje sou mau’. A violência era uma parte do seu negócio mas também era a linguagem das pessoas com quem se associava e que defrontava” - e havia toda a geografia social e política de Boston daqueles anos, ainda sem fronteiras definidas entre o poder instituído e o underworld

Já falámos das lentes de contacto que afiam a claridade nos olhos de Depp. A intenção era mesmo transformar-se o mais possível em James Joseph Bulger. A intenção era transformar-se, ponto final. Um pouco, então, de “cena original” do desejo de ser camaleão: nunca quis propriamente ser actor, porque basicamente era músico, mas a verdade é que o que o colocou no mapa foi uma série de TV, 21 Jump Street. “Mas nunca quis ser poster boy”, e foi isso que 21 Jump Street lhe fez, a ele, que gostava de John Barrymore, Brando, Garfield, ou de Lon Chaney, a quem chamavam “o homem das mil caras”. É esta a coisa de Depp: mudar, transformar-se, arriscar nem que seja para se estatelar no chão. “Cada actor tem um sentido de responsabilidade em relação ao seu público, de mudar, de lhe dar algo de novo, de o tentar surpreender”.

Eles estão lá fora, gritam "Johnny, Johnny", vieram para o Lido de manhã, à espera de um vislumbre, e Johnny, que não gosta de lhes chamar fãs, diz que são os seus patrões. Dão-lhe trabalho.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários