Jogo de estafetas

O novo disco dos americanos Tropical Trash não é para gente sentada.

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Os Tropical Trash resgatam a urgência popular do indie-rock clássico, aquele que se faz nas garagens da América

Se o indie-rock “clássico” teve um “som”, deveu-o, também, à exiguidade dos meios disponíveis. Em estúdios baratos, nos anos 80 e 90, os músicos lutaram contra o tempo e contra a falta de dinheiro, movidos pelo desejo de mostrar uma obra. Na maioria dos casos, as bandas fizeram o trabalho todo, mas não se podem apagar as assinaturas de produtores como Spot (Glen Lockett), Don Fleming ou do inevitável Steve Albini. Um propósito foi comum a todos: reproduzir com fidelidade a identidade sonora da banda. O disco podia ou devia ser um instantâneo da gravação, com poucos ou nenhuns adereços, como os (então) muito citados álbuns de estreia dos Ramones e dos Stooges. Para lá das referências estéticas, reproduziam uma energia bruta e densa que, supostamente, colocaria os ouvintes no interior do estúdio.

Entretanto, as novas tecnologias de comunicação “revolucionaram” os modos de fazer música (indie) e Martin Hannett triunfou sobre a rudeza e o amadorismo do rock americano. Fim da história? Não, os EUA são um país grande, cheio de garagens e pequenos estúdios como aquele que acolheu o nascimento de UFO Rot, o novo disco dos Tropical Trash, um trio de Louisville. O nome promete pouco, mas a música cumpre, resgatando a urgência popular do indie-rock clássico.

A imagem das primeiras sete faixas é a de um comboio incontrolável. Podem começar com um solo da bateria, com um riff, com a voz, mas não autorizam pausas. Assim que uma canção se silencia, a seguinte arranca, num frenético jogo de estafetas. O que é notável é que não se confundem com os clichés que abundam no universo do “rock pesado”. Em Ufo Rot vingam as nuances, o movimento, as variações, a inteligência. New flesh dá as boas-vindas, introduzindo o virtuosismo de Jeff Koamara (bateria) e as vozes escarninhas de Jim Marlowe e Ryan Davis. Durante os primeiros minutos, domina a repetição primária de um acorde e da bateria até que algo se descola e escapa ao ditado do ritmo: a estranha beleza do feedbackDNA smoke e UFO rot trazem memórias do pogo e do stagediving, mas não são exercícios histéricos ou nostálgicos. As palavras são ditas (e não cantadas) num registo hipnótico e imperturbável, impondo-se aos outros instrumentos.

A deriva punk agita os temas mais agressivos. Heehaw collider abraça a anarquia veloz dos primeiros Meat Puppets e dos Boredoms, e Vertical gang, imagine-se, comprime em quatro minutos os Dead Kennedys, os Motorhead e os The Saints. As vozes rangem, à beira da afonia, e as guitarras prosseguem até ao momento que melhor simboliza o rock: quando os acordes tomam o palco e se exibem, sorrindo sem vergonha. Mas esta canção não fica por aqui: transforma-se, nos instantes finais, numa excursão às sombras do doom metal. Algo semelhante se escuta em Fat kid’s wig: primeiro, o punk-rock, depois uma torção inesperada, com Jeff Koamara a apontar na direcção do deserto californiano. E é por aqui que Leisure exposure permanece, até que o break da percussão a arrasta para as dinâmicas dos Fugazi e dos Shellac: é um momento notável. Os dois temas finais entregam-se a um torpor violento, salientando a presença do baixo e dos graves, deformando as vozes e sublimando a distorção. UFO Rot conclui-se mostrando a versatilidade dos Tropical Trash. Uma banda fantástica.

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