Joaquin Phoenix, onde estás tu?

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Joaquim Phoenix já não quer ser uma estrela do hip-hop: nunca quis, na verdade...

"I'm Still Here", a grande manobra de diversões de Casey Affleck e Joaquin Phoenix, fez as suas ondas de choque na última edição do Festival de Veneza. Phoenix nunca foi visto por perto, mas o Ípsilon teve 13 minutos a sós com Affleck - quase se perdeu uma orelha, mas ganhou-se uma entrevista

A meio da última edição do Festival de Veneza, as coisas finalmente ganharam grande velocidade com a muito esperada estreia mundial de "I'm Still Here", a primeira longa-metragem de Casey Affleck, em que este observa, ao longo de mais de um ano, o seu melhor amigo, Joaquin Phoenix, a tentar uma carreira no hip-hop. Com a sua longa barba desgrenhada e os óculos escuros, Phoenix parecia mais um terrorista do que uma estrela profissional, e toda a gente saiu do filme a perguntar se "I'm Still Here" podia ser levado a sério.

Agora que Affleck e Phoenix já reconheceram que o filme era ao mesmo tempo uma manobra de publicidade e uma partida, é óbvio que não era para ser levado a sério. Mesmo assim, enquanto durou, eles marcaram uma posição acerca do entusiasmo com que os média recebem de braços abertos as desventuras de uma celebridade.

David Letterman, participante involuntário no embuste (até já recebeu um pedido de desculpas), não conseguiu deixar de rir quando Phoenix foi ao seu "talk show" - o "clip" tem sido um dos favoritos no YouTube e Affleck integra-o inteligentemente no filme, juntamente com as múltiplas imitações e paródias que gerou. Parecia que os média não se fartavam. A revista "Vanity Fair" organizou um passatempo intitulado "Monstro de Loch Ness ou Documentário sobre Joaquin Phoenix?", colocando uma imagem do "rapper" barbudo no famoso lago escocês. Mas foram Phoenix e Affleck que riram por último, como excelentes marionetistas por trás de toda esta charada.

Quando há dois anos, na última entrevista de promoção que nos dera, Joaquin Phoenix se contorcia na sua cadeira a resmungar acerca da fama, de alguma forma ainda era um adorável excêntrico. Mas em "I'm Still Here" já é um homem alquebrado, a quem Sean Puffy Combs ("o martelo que destruiu o sonho", como se lhe refere Affleck) recusa um contrato, atirando o actor, duas vezes nomeado para os Oscars (por "Gladiador" e "Walk the Line"), para uma depressão cada vez mais profunda.
Há dois meses, potenciais distribuidores do filme assistiram a uma projecção privada, após se ter espalhado o rumor de que "I'm Still Here" apresentava cenas de uso de drogas, vómitos, defecação, nudez frontal completa e a rotunda barriga de Phoenix (se bem que não os seus órgãos genitais). Em Veneza, jornalistas e críticos ficaram perplexos, questionando-se acerca do que significaria tudo aquilo. Na conferência de imprensa do filme, Affleck, sozinho na mesa, muito elegante num fato cinzento, conseguiu evitar três perguntas diferentes acerca da veracidade do que acontecera no ecrã. Por fim, lá disse: "Há pessoas que ainda não viram o filme, por isso estou relutante em falar acerca de cenas específicas. Iria influenciar a experiência dessas pessoas."

E então, onde está Joaquin? "Joaquim está aqui em Veneza, a encontrar-se com o filme", explica o realizador. "Não se está a esconder do filme; espero que ele o apoie, mas ele é que decidirá de que forma irá apoiá-lo." 

Ele estava lá, sim senhor, com "paparazzi" a tirarem-lhe fotografias com e sem os óculo de sol e parecendo em forma, num fato estilo Blues Brothers. Os espectadores estavam naturalmente à espera de uma figura gorducha e barbuda, mas não, não havia e continuaria a não haver uma aparição oficial da enigmática estrela, que na realidade tinha entrado à socapa para ver o filme depois de este ter começado e se tinha ido embora antes de ele terminar. E quem poderia criticá-lo? Phoenix nunca gostou de fazer promoção com a imprensa e talvez estivesse a mostrar a sua posição de uma forma ainda mais decidida.

A bola de neve da fama

Affleck, que fez 35 anos em Agosto, também nunca gostou muito. A estrela em ascensão, que já teve uma nomeação para para um Oscar por "O Assassínio de Jesse James pelo cobarde Robert Ford", de Andrew Dominik, fez, isso sim, muita (e bem necessária) publicidade à sua aparição como assassino em série em "The Killer Inside Me", realizado pelo britânico Michael Winterbottom. Mas em Veneza, participando no mistério que rodeava "I'm Still Here", foi muito mais selectivo. Por fim, decidiu conceder quatro entrevistas de cinco minutos cada, e, quando um enojado jornalista desistiu, ficámos apenas três, eu e mais dois britânicos com ar de entendidos na matéria. Seriam apenas cinco minutos, insistiu o relações públicas, enquanto eu esperava nervosamente, tentando descobrir qual seria a melhor abordagem. Dado que já tinha entrevistado Phoenix muitas vezes, decidi que com Affleck, com quem nunca tinha falado, iria pelo ângulo fraternal.

Enquanto irmãos de dois famosos actores de cinema, Joaquin e Casey nunca poderiam enveredar pelo caminho mais tradicional. Joaquin estava com o seu irmão mais velho River, o ídolo das "matinées", na altura da sua "overdose" fatal, enquanto Casey tinha visto o seu irmão Ben ser triturado pelo rolo compressor da fama devido à relação com Jennifer Lopez.  O facto de ambos serem irmãos mais novos tornou-os excêntricos? "Pode ser", responde laconicamente o mais novo dos irmãos Affleck. "Conheci o Joaquin há 18 anos, quando eu tinha 17. Fizemos juntos o 'Disposta a Tudo', tornámo-nos amigos rapidamente e até partilhámos uma casa durante algum tempo."

Casey Affleck, como é sabido, também casou com Summer, a irmã de Joaquin, com quem tem dois filhos. Quão mais próximos ainda poderiam ter-se tornado? Porque não casou com Joaquin?
"Ah, a irmã dele é mais bonita. Mas adoro-o e respeito-o. Realmente, parte do gosto de concretizar este projecto foi poder passar muito tempo com ele." Mas Joaquin não ficou aborrecido por ter ficado com tanto peso? "Mas é este o seu peso normal. É, é mesmo", diz enfaticamente. "Em todos os outros filmes ele está sempre nas máquinas de ginástica. Sim, ele tem problemas de peso."

Não será isso mais um factor a contribuir para ele ser tão tímido ou ficar tão nervoso, ao mostrar tanto de si no filme? "Oh, não sei... Acredito que uma vez que revelamos um bocadinho de nós é muito difícil voltar atrás. As pessoas que têm tendência para a insegurança, ou mesmo apenas para a introspecção, pensam 'Oh, partilhei esta pequena parte de mim e é horrível, por isso porque não mostrar esta outra parte de mim para tentar explicar por que razão a outra parte de mim é tão feia?'. E depois olham para outra parte e pensam 'Também é horrível. Vamos mostrar esta outra parte de mim - talvez isso faça as pessoas gostarem de mim'. E depressa estão completamente expostas e a mostrar tudo, na esperança de que a próxima parte que revelarem, a próxima coisa que disserem, a próxima coisa que fizerem ajudará as pessoas a compreender quem elas são." É uma bola de neve, continua: "Creio que é uma situação muito, muito escorregadia. Começa-se por dar uma entrevista a dizer que se vai abandonar a representação e começar uma carreira musical, e acaba-se nu e a ter relações sexuais e a tomar drogas e a vomitar." 

Affleck garante que o filme surgiu muito naturalmente, beneficiando da experiência acumulada nos filmes em que foi dirigido por Gus Van Sant. Mesmo assim, Affleck foi rigoroso com a sua equipa. "Durante dois anos não pude falar sobre o filme e exigi que as pessoas que trabalhavam comigo nele também se mantivessem discretas. Claro que isso resultou numa especulação descontrolada, em todas as direcções diferentes."
Casey também foi muito influenciado por Andrew Dominik, que está agora prestes a começar a filmar "Blonde", o filme sobre Marilyn Monroe com Naomi Watts. "Devo ir trabalhar com o Andrew outra vez, ele é um génio. Não tem muitos conhecimentos de negócios, mas tem imensos acerca de representação; é completamente intuitivo. Escreve uns argumentos espantosos e também tem um grande talento para a parte visual. Vai ser um dos grandes realizadores desta geração. Tenho muita vontade de, se não conseguir entrar em todos os seus filmes, pelo menos conseguir vê-los a todos."

Quanto a Ben, que também esteve em Veneza para apresentar "The Town", Casey diz: "Ele é muito profissional e tem grandes capacidades, e é educado e decente. Eu obrigo as pessoas a trabalharem até estarem esgotadas e elas odeiam-me por causa disso e as filmagens são uma grande confusão e no fim tenho esperança de que algo bom surja do meio do caos. O Ben é fantástico - é muito matemático acerca do trabalho, e digo isto de uma forma positiva. Acho que eu sou mais impressionista."  

Com o tempo a acabar - na realidade, a entrevista acabou por durar quase 13 minutos -, e num último esforço para descobrir a verdade, indico-lhe que o homem que no final do filme é suposto ser o pai de Joaquin é creditado como Tim Affleck, também conhecido por ser o pai de Casey e Ben. "Oh, meu Deus, isso é tão complicado", resmunga. "É verdade que somos parentes. Ouve, amiga", continua, enquanto se inclina na minha direcção, "estás a fazer com que eu tenha que comer a tua orelha!" Enquanto tenta agarrar-me pela nuca, baixo-me para me escapar e rio às gargalhadas.  

A nossa entrevista pode ter acabado por aí, mas a história não. Os fãs de Phoenix podem agora rir-se das suas travessuras, enquanto Affleck espera que o consideremos um artista e o orquestrador de uma manobra de publicidade ao nível de Hunter S. Thompson. Ou talvez apenas seja um sacana manhoso como Robert Ford no filme que o tornou famoso. É possível que até os processos de assédio sexual que lhe foram levantados pela produtora do filme, Amanda White, e a sua directora de fotografia, Magdalena Gorka, tenham sido um embuste - sobretudo tendo em conta que foram ambos resolvidos muito facilmente e mesmo a tempo da estreia do filme. Se bem que Casey seja um patrão duro e se tenha mostrado muito exigente com a forma como tudo era feito em Veneza, é difícil imaginá-lo a assediar alguém. A não ser, claro, Joaquin Phoenix.

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