Jérôme Savary (1942-2013): morreu o homem do teatro biodegradável

Morreu segunda-feira o encenador de Blimunda, que adaptou uma obra de Saramago.

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Savary no Opéra Comique Theatre em Paris em 2005 AFP

Saltimbanco, adepto da contra-cultura, grande improvisador, morreu segunda-feira, de cancro, aos 70 anos, Jérôme Savary. Encenador, actor, provocador, homem de um teatro espectacular, para as massas, quando ainda não havia medo delas nem o desejo de as educar.

Estas palavras que o descrevem são citadas na mini-biografia que o Theatre de Chaillot, em Paris, disponibiliza sobre o seu ex-director (1988-2000) na sua página da Internet. E era esse seu estilo, formado na resistência a um teatro que se prendesse à forma, que fosse ao encontro de uma ideia que ele gostava de apelidar de "biodegradável".

Savary nasceu na Argentina em 1942 mas cedo veio para Paris, onde fez carreira como experimentalista de um teatro de intervenção. Inspirado nos norte-americanos The Living Theater, o teatro de Savary também se opôs ao que considera ser um teatro de cedências protagonizado por Jean Vilar, o director do Festival de Avignon e do Theatre Nationale Populaire. Savary, tomado por um espírito contestatário, fez de tudo um pouco: teatro, ópera, cinema, circo. Escreveu poesia nas ruas de Nova Iorque nos anos 1960, foi companheiro de John Lennon na Londres da década seguinte e, nos anos 80, regressava a Paris depois de digressões mundiais com a sua companhia Grand Magic Circus. Aqui tornou-se o equilíbrio possível entre um teatro sem medo do público e um gozo interessado numa máquina de ilusões. Ponto alto desse percurso terá sido a encenação de Cabaret, em 1985 no Teatro Mogador, revelando no papel que anos antes havia sido de Liza Minelli uma actriz alemã de nome Ute Lemper.

Ao PÚBLICO, por email, a actriz reagia à morte do encenador recordando que o trabalho que a apresentou a França, e a distinguiu como melhor actriz na primeira edição dos prémios Moliére de teatro, "foi um importante capítulo [da sua] vida". "Suei sangue e lágrimas porque a escola de Jérôme não era fácil, mas mudou a minha vida". O modo de trabalho do encenador, que a actriz, numa entrevista ao jornal Sete, em 1990, dizia ser "um macho no sentido argentino do termo", alguém que tinha "medo dos homens" mas achava poder "tratar as mulheres abaixo de cão", era também, diz agora ao PÚBLICO, "uma visão única, imaginativa, drástica e arriscada, sempre à procura do impacto e a ilusão". Savary era, diz Ute Lemper, alguém "que colocava a alma e coração no que fazia, fosse a situação dramática ou cómica".  

Savary passou por Portugal por duas vezes. Em 1991, com o espectáculo Zazou, que inventariava as vidas boémias e intelectuais, recriando o ambiente dos cafés parisenses entre 1942 e 1967, "num perfeito manual antológico sobre a arte do gag e do clownesco", como escreveu Eugénia Vasques no jornal Expresso. O espectáculo, que teria honras de abertura do Festival Internacional de Teatro, mostraria ainda porque razão Maria de Medeiros se havia afirmado na cena francesa com Zazou. No mesmo ano, Savary chegou ao Teatro Nacional São Carlos, adaptando para ópera o romance de José Saramago Memorial do Convento. Blimunda, assim se chamada a produção que havia estreado um ano antes no Teatro Alla Scalla de Milão, tinha composição musical de Azio Corghi, que o encenador definia como uma obra "moderna acústica".

Notícia alterada a 6/03 corrigindo a ortografia de Jérôme Savary
 

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