James Holden: do virtuosismo tecnológico ao jazz

Uma das figuras mais fulgurantes das linguagens hipnóticas do tecno apresenta-se este sábado em Lisboa, para uma sessão ao vivo de música electrónica que respira ideias do jazz.

Fotogaleria
James Holden DR
Fotogaleria
James Holden actua este sábado no Lux, em Lisboa Nuri Yilmazer

No campo da música de atributos electrónicos, com espaço para a fisicalidade e para a experimentação, entre a complexidade técnica e o prazer, não há muitos como ele. Talvez Jon Hopkins, Caribou, Andy Stott e poucos mais.

O inglês James Holden actua ao vivo, este sábado, no Lux, em Lisboa, e vem em boa altura, depois de ter lançado em 2013 o álbum The Inheritors, a que se seguiu a adopção de novo formato ao vivo, com saxofonista e baterista, e uma digressão com os Atoms For Peace, de Thom Yorke (Radiohead).

Entre o segundo álbum e o seu primeiro, The Idiots Are Winning (2006), passaram sete anos, durante os quais James Holden se remeteu ao quase silêncio, em casa – apenas interrompido por algumas escapadelas periódicas para actuar como DJ em clubes e festivais.

Holden é uma personalidade singular. Quem já assistiu a sessões DJ da sua autoria no Lux sabe-o, mas agora é noutro modelo, acompanhado por dois músicos, embora ele não diferencie muito a actividade solitária ou em grupo. “Sempre fiz a minha música tocando-a ao vivo, a diferença é que o fazia em privado, no estúdio, mas mesmo estando sozinho fazia com que as máquinas se comportassem como qualquer humano – de forma imprevisível”, diz ao PÚBLICO.

Consta que durante o tempo que distou entre os dois álbuns chegou a completar um outro disco, que, à última hora, viria a destruir, por não estar inteiramente satisfeito com o resultado. Não espanta que imponha a si próprio tal pressão. 

Quando a sua editora, a Border Community, surgiu em 2003, as normas do tecno melódico modificaram-se, mas rapidamente surgiram outros projectos na sua esteira, apostando em sons electrónicos expansivos e efeitos sintéticos hipnóticos, adaptados a uma estrutura épica progressiva.

Para alguém com uma identidade tão definida, isso constituiu um problema. Daí que nos últimos tempos, seja em disco, ou ao vivo, Holden se dedique a ser cada vez mais engenhoso, diferenciando-se de todos. O que não é fácil no mundo superpovoado das electrónicas. Mas com o seu último álbum conseguiu-o, regressando às soluções da música electrónica primitiva, utilizando sintetizadores modulares, extraindo deles uma paleta de texturas que remetem para a música cósmica alemã (Klaus Schulze), ou para alguma música electroacústica (Stockhausen), apesar de tudo ser recriado a partir de padrões que toda a gente reconhece como sendo de música tecno.  

Todos, claro, menos Holden. “Procurar novos limites é o lema. Nos últimos anos, aprendi imenso, mas é essencial não pararmos”, afirma, apesar de achar que, no fim de contas, ao longo dos anos, o processo de feitura da sua música não mudou. É tudo uma questão de procurar novas opções. “Quando comecei, transfigurei o primeiro programa de computador que utilizei para extrair dele as coisas mais estranhas, e agora utilizo também processadores, componentes electrónicos e circuitos integrados, e também os transformo!”  

Na sua música, e na forma como a expõe, reconhecemos qualquer coisa entre o virtuosismo tecnológico e o jazz. É um encontro desconcertante entre qualquer coisa de ancestral e uma energia completamente actual, inspirada em géneros distanciados no tempo, mas conectados na forma de repetição minimalista. Há temas que induzem uma espécie de entorpecimento activo, por vezes parecendo monótonos, para de seguida guiarem o ouvinte para clareiras desconhecidas. É uma música que atravessa com agilidade vários limites desembocando em qualquer coisa que se pode dançar, mas, acima de tudo, que reflecte e projecta estados de espírito.  

Numa entrevista recente, Holden dizia que a electrónica podia ser apresentada ao vivo de forma tão dinâmica como num concerto de jazz. Percebe-se o paralelo. Nos últimos anos, a sua música foi-se tornando mais livre e mais orgânica. Ao vivo, existe lugar para o erro, para a imperfeição, para a exposição de fragilidades. Há estruturas preparadas, mas no palco tudo pode acontecer. O apuro extremo não lhe interessa.

“Não me interessa quem expõe uma falsa perfeição”, afirma. “Os melhores espectáculos, ou, pelo menos, os mais excitantes, são aqueles onde sentimos o empenho dos executantes e quão afortunados são naqueles momentos em que tudo funciona.”  

Num clube, como DJ, a sua atenção tem que estar também focada nas pessoas. Dessa interacção depende a noite. E quando está a criar música, também pensará na forma como as pessoas reagirão a ela? “Como DJ, temos que pensar nas pessoas, mas é fácil, porque elas estão ali à nossa frente” responde , “mas, quando estou a compor, prefiro não pensar nelas; até porque são imprevisíveis. Alguém imaginar que sabe o que elas poderão gostar é uma forma de as subestimar.“

E isso, naturalmente, James Holden não faz.

Sugerir correcção
Comentar