Já ouvimos Magic Whip: os Blur continuam a fazer-nos falta

A menos de um mês da edição de Magic Whip e a pouco mais de três meses do concerto no Super Bock Super Rock, em Lisboa, confirma-se: os Blur conseguiram o que se exigia – juntaram mais um admirável acrescento à sua história.

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O novo disco dos Blur é o retorno ao quarteto que não gravava desde 13, de 1999: Albarn, James, Coxon, Rowntree Linda Brownlee

A partir do dia em que Damon Albarn, no palco da Asia World Expo, em Chek Lap Kok, anunciou publicamente que os Blur tinham registado alguns temas novos aproveitando uma pausa forçada em Hong Kong (devido ao cancelamento à última hora de um concerto), o mundo ficou à escuta. Aconteceu em Maio de 2013 e, desde então, as cautelas foram muitas. Albarn apressou-se a refrear o entusiasmo, dizendo que não sabia se aquele material viria a ser editado; passados alguns dias, o baixista Alex James relatava ao PÚBLICO que “num entusiasmo espontâneo, do momento” se tinham enfiado nos Avon Studios, em Hong Kong, “só para ver o que acontecia”, embora não resistisse a confessar que o novo material soava certamente “ao próximo capítulo” na vida do grupo; apenas duas semanas antes da conferência de imprensa que confirmou a existência de um novo disco, em Fevereiro deste ano, Albarn ainda gravava vozes e Graham Coxon mantinha o silêncio com medo de agoirar o regresso aos álbuns.

Mas não, o destino não abusou da sua condição e Magic Whip, oitavo álbum de estúdio dos Blur, retorno ao quarteto original que não gravava desde 13 (1999), está prestes a chegar, a 27 de Abril. E o Ípsilon já o ouviu. Do primeiro ao último segundo.

E os primeiros segundos, na verdade, soam a uma declaração de que, com Coxon de volta, somos atirados directamente para os bons velhos tempos: Lonesome Street foi feita e colocada a abrir o disco para sossegar. Soa à época gloriosa de Modern Life Is Rubbish / Parklife (1993/1994), pop arreigadamente inglesa, guitarras irrequietas de nervoso adolescente, teclados com as voltas circenses habituais em Albarn e uns muito apreciáveis ecos beatleanos em linha com I Am the Walrus, canção-delírio de John Lennon. O mesmo puzzle volta a ser montado mais tarde, embora de forma mais desalinhada, em I broadcast. As correspondências com o passado mais recente fazem-se logo em seguida com New world towers, balada de toada espacial que remete para o disco a solo de Albarn, Everyday Robots, e um solo a caminho do fim que só poderia vir das mãos de Graham Coxon. Ao segundo tema já o sabemos – os Blur estão mesmo de volta e a sua discografia anterior não vai ficar envergonhada a um canto, a fingir que não tem nada que ver com isto.

Falando de passado recente: Go out, tema já conhecido, liga os Blur à crueza de Think Tank, mas também a uma jinga rítmica acompanhada de um registo vocal que poderiam ter sido inventados para os Gorillaz, engolidos depois por uma guitarra em roda livre. A partir de Thought I was a spaceman, no entanto, Magic Whip começa a descolar rumo a novos territórios, a soar a um álbum cada vez mais desapegado dos discos anteriores e pouco ancorado em canções óbvias. Mesmo quando se lançam a temas soalheiros como Ghost ship, uma belo canção acústica a lembrar os Kings of Convenience iniciais, com travo ligeiramente tropical, ou Ong ong, com uma guitarra que poderia ter sido emprestada por Marcelo Camelo para um todo em modo festivo à la Kinks, fazem-no com a frescura de quem nunca dobrou aquelas esquinas.

O reverso surge no tom melancólico de Thought I was a spaceman e na elegância sublime do tema final, Mirrorball, acompanhadas de um sentido dramático profundamente presente em There are too many of us, ou de uma espantosa caminhada de tendência épica e misteriosa em Pyongyang (da mesma maneira que a visão de Albarn sobre a Coreia do Norte se vislumbra por trás de uma cortina poética e difusa). É a secção do disco mais sintonizada com o estúdio “claustrofóbico e quente”, ele mesmo um espelho dos apartamentos cubículos-que desenham a paisagem urbana de Hong Kong – a que Albarn se refere muito claramente em There are too many of us, cantando por cima de uma tirânica tarola militar.

E depois há uma desarmante canção chamada My terracota heart, de uma beleza extrema, tudo feito com uma delicadeza tocante: das guitarras meio desmaiadas de Coxon à voz e aos teclados nostálgicos de Albarn.

A menos de um mês da edição de Magic Whip e a pouco mais de três meses do concerto no Super Bock Super Rock, em Lisboa, confirma-se: os Blur conseguiram o que se exigia – não se limitaram a maquilhar canções antigas, nem ficaram reféns de uma forçosa reinvenção. Instalaram-se saudavelmente algures no meio, juntando mais um admirável acrescento à sua história.

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