Investigadores avisam UNESCO que reabrir Altamira é um "perigo"

Governo espanhol contra a carta enviada por académicos que criticam a cedência à “pressão política e posições eleitoralistas" na iminente decisão sobre o destino da gruta que é Património da Humanidade.

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As pinturas rupestres de Altamira foram classificadas Património da Humanidade em 1985 DR

A polémica está instalada: peritos da Universidade Complutense enviaram à UNESCO uma carta que alerta que a reabertura ao público das grutas de Altamira, cujas pinturas pré-históricas são Património da Humanidade, “põe em perigo um legado frágil” e que acusa o poder político de ceder à “pressão política e posições eleitoralistas”.

Os 17 peritos da Complutense, todos os membros do Departamento de Pré-História, e que tiveram o apoio dos cerca de 70 investigadores do reputado Instituto de História do Conselho Superior de Investigação Científica (CSIC) espanhol, argumentam que “o novo programa do Ministério da Cultura de Espanha, um plano que inclui a abertura da gruta a novos visitantes, coloca questões importantes de conservação” de Altamira. E defendem ainda que esse mesmo plano põe em risco as pinturas essenciais “para a compreensão da sociedade paleolítica” e que só têm par nas grutas de Lascaux e Chauvet, em França.

"Sendo que nem as provas científicas nem o número de visitantes previstos apoiam a abertura da gruta, só resta reconhecer que são a pressão política e as posições eleitoralistas as motivações subjacentes” às intenções da tutela, lê-se ainda na missiva.

A carta, enviada em Dezembro pelos académicos à UNESCO, que em 1985 as declarou Património da Humanidade, diz ainda que “Espanha tem a obrigação” não só de estudar a gruta como também “de preservar este património”, concluindo que “as acções empreendidas pelo Ministério da Cultura de Espanha representam uma clara ameaça” à conservação.

As grutas de Altamira, na região da Cantábria, no Norte de Espanha, constituem um dos mais importantes sítios arqueológicos do mundo. Estiveram fechadas ao público mais de uma década, tendo sido encerradas em 2002 pelo risco que representava as mudanças na atmosfera da gruta, que criariam condições para a propagação de microorganismos que podem ser prejudiciais à conservação das pinturas.

Durante o último ano, pequenos grupos de visitantes tiveram acesso, por sorteio, às grutas. Esse período experimental de visitas terminou em Fevereiro e brevemente o Patronato de Altamira, que gere as grutas e que integra representantes do governo regional da Cantábria, deve decidir se Altamira permanecerá aberta – e em que moldes - ou se encerrará ao público.

A próxima reunião do organismo está agendada para dia 26. De acordo com o diário espanhol El País, a maior parte dos peritos do sector acredita que a decisão será de manter as grutas visitáveis e, numa reacção à carta enviada à UNESCO, o presidente da Cantábria, Ignacio Diego, disse ao jornal local espanhol El Diario Montañés que ainda não está fora de questão o encerramento total da gruta. Diego considerou a carta dos peritos da Complutense “uma opinião” e uma falta de respeito para com os mais de 50 investigadores que nos últimos dois anos estão a acompanhar o plano de gestão daquele património e que terão concluído que as visitas controladas, semanais e de pequenos grupos, não representam risco para a sua conservação.

Em 2011, os resultados da investigação ao estado de conservação de Altamira e da sua resistência à pressão humana contemporânea, feita por dois dos maiores peritos mundiais em arte rupestre – Sergio Sánchez-Moral e Cesáreo Saiz-Jiménez, do CSIC –, foram publicados na revista científica Science. E eram peremptórios, como recorda o El País: já tinham sido ultrapassados todos os limiares do risco e a presença de seres humanos na gruta era impensável, muito porque para as visitas é preciso luz e a dita alimenta microorganismos que se alimentam dela e que degradam as pinturas. O mesmo motivo que originou o encerramento ao público de Altamira em 2002, à semelhança do que acontece nas suas congéneres francesas, e que agora poderá voltar a pôr em perigo as gravuras.

Descobertas em 1879, as grutas que contêm imagens de arte rupestre do Paleolítico estiveram abertas ao público desde 1985 (tinham fechado antes entre 1977 e 82), exibindo pinturas na rocha com mais de 15 mil anos que representam animais vários (bisontes, cavalos, veados) e símbolos. Símbolos do apogeu da arte rupestre paleolítica, atraíram durante décadas milhares de turistas e visitantes – segundo a agência de notícias espanhola EFE, a cadência era de 175 mil visitas por ano.

Desde o encerramento em 2002 e até à mais recente reabertura faseada, criou-se uma instalação com réplicas das gravuras dos famosos bisontes. E no último ano, a solução encontrada pela tutela espanhola foi então a organização de visitas por sorteio, que permitiram a 250 pessoas entrar na gruta. Em grupos de cinco pessoas, mais um guia, todas as sextas-feiras tinham um pouco menos de 40 minutos para explorar o sítio arqueológico.

Entretanto, e segundo El Diario Montañés, o Ministério da Cultura espanhol e a equipa científica que está a avaliar a conservação de Altamira vão também enviar uma carta à UNESCO em resposta às críticas dos académicos. 

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