Horace Silver, a morte de um mestre do ritmo, de um ícone do jazz (1928-2014)

O pianista jazz morreu esta quarta-feira em Nova Iorque, aos 85 anos. Era filho de um cabo-verdiano imigrado nos EUA.

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Horace Silver no Newport Jazz Festival em 1957 Ted Williams/CORBIS

Começou por ser saxofonista no Connecticut natal, mas seria já depois de trocar o saxofone pelo piano e Connecticut por Nova Iorque que Horace Silver começou a destacar-se e a iniciar um percurso que o preservou como um dos fundadores do hard bop e um músico que, pela elegância e simplicidade melódica e pela dinâmica cativante do ritmo, se tornaria uma referência no final da década de 1950 e na seguinte.

Nascido Horace Ward Martin Tavares Silva a 2 de Setembro de 1928, Silver tocou com gigantes como Stan Getz, o primeiro a reconhecer-lhe o talento, Miles Davis ou Lester Young. Fundou os muito influentes Jazz Messengers com Art Blakey, e ajudou a revelar talentos como o saxofonista Joe Henderson, o trompetista Art Farmer ou o baterista Billy Cobham.

Filho de um cabo-verdiano imigrado nos Estados Unidos, John Tavares Silva, operário numa fábrica de borracha e multi-instrumentista (violino, mandolim) que seria influência musical marcante (o clássico Song for my father inspira-se nas tardes passadas a ouvir o pai e o tio tocarem mornas e coladeras), o pianista morreu de causas naturais esta quarta-feira na sua casa em New Rochelle, Nova Iorque, adiantou o seu único filho, Gregory, à NPR. Horace Silver tinha 85 anos.

“Pessoalmente, não acredito em política, ódio ou fúria na minha composição musical. A música deve levar felicidade e alegria às pessoas e fazê-las esquecer os seus problemas”, escreveu no texto de acompanhamento de Serenade to a Soul Sister, álbum editado em 1968. Na década seguinte, iríamos encontrá-lo a procurar dar voz a essa necessidade, quando gravou uma série de três álbuns conhecida como The United States of Mind, os primeiros em que trabalhou de forma continuada com a voz, incluindo a sua, e que reflectiam um desejo de autodescoberta espiritual através da música.

Os discos, editados entre 1970 e 1972, não foram consensuais, quer junto da crítica, quer junto daqueles que acompanhavam há muito a sua música. Reflectiam o seu desejo de mudança num mundo que, também ele, mudava rapidamente. Porém, Horace Silver é celebrado como um dos grandes nomes do jazz pelo que fizera antes. Outras mudanças: é um dos nomes fundadores do hard-bop, ramificação do revolucionário bebop que, apropriando-se do rhythm’n’blues ou do gospel, colocava a ênfase no ritmo e numa maior simplicidade harmónica. Foi neste período que criou alguns dos seus temas mais famosos, como Filthy McNasty, The Preacher, Sister Sadie, a latina Señor blues ou a supracitada Song for my father.

Começava a fazer o seu nome enquanto pianista no circuito local quando, aos 22 anos, Stan Getz ouve o seu trio no clube Sundown, em Hartford. Trabalharia com o saxofonista durante cerca de um ano, antes de se mudar para Nova Iorque, onde não tardaria a tornar-se músico requisitado pela fervilhante comunidade jazz da cidade, trabalhando com Coleman Hawkins ou Lester Young. Em 1953, fundava com o baterista Art Blakey os Jazz Messengers que, com a sua formação de trompete, saxofone tenor, piano, contrabaixo e bateria, viriam a ser o standard para a instrumentação hard-bop, escrevia ontem Peter Keepnews no obituário publicado pelo New York Times. Keepnews destaca o estilo peculiar de Silver: “Improvisando com destreza motivos engenhosos com a sua mão direita enquanto atacava sonoras linhas de baixo com a esquerda, conseguia evocar simultaneamente pianistas de boogie-woogie como Meade Lux e beboppers como Bud Powell. Porém, ao contrário de muitos pianistas bebop, Silver enfatizava a simplicidade melódica sobre a complexidade harmónica”.

Horace Silver manter-se-ia com os Jazz Messengers durante dois anos e meio, antes de formar o seu quinteto, inicialmente composto pela mesma formação dos Messengers, com excepção de Art Blakey, substituído pelo então muito jovem Louis Hayes. Seria enquanto líder que gravaria álbuns como 6 Pieces of Silver (1956), Blowin’ the blues away (1959), Song for my father (1965) ou The Cape Verdean Blues (1965), todos eles editados pela Blue Note, a mítica casa discográfica à qual esteve ligado entre 1955 e 1980.

Um dos nomes mais célebres do jazz em palco e em disco durante a década de 1960, com o groove do seu hard-bop a servir como banda-sonora perfeita para o período (influência transversal: os Steely Dan criaram o seu maior sucesso, Rikki, dont’t lose that number, sobre a linha de baixo de Song for my father), Horace Silver manter-se-ia bastante activo em palco e em estúdio nas décadas que se seguiram. No início dos anos 1980, fundou a Silveto, editora de vida curta, antes de prosseguir carreira com álbuns para a Impulse!, Verve ou Columbia.

Actor destacado de um período fértil da história do jazz, Horace Silver foi surpreendido pela longevidade e carácter intemporal que a sua música assumiu. Em 2003, dizia ao site All About Jazz: “Quando compus [os temas mais memoráveis], dizia para mim próprio que esperava que ao menos esses resistissem ao teste de tempo”. Nessa altura, há onze anos, já sabia que tudo tinha corrido pelo melhor. A sua música continuava viva. Continua.

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