Grande Prémio de Angoulême para Katsuhiro "Akira" Otomo

O criador da influente manga é o primeiro japonês a receber o mais importante prémio do festival que este ano tem a sua “edição Charlie Hebdo”.

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Katsuhiro Otomo e o primeiro número de Akira em 2014, quando foi agraciado pelo governo francês Yoshikazu TSUNO/AFP

Na “edição Charlie Hebdo” do Festival de Angoulême, o importante encontro de BD deu pela primeira vez o seu Grande Prémio a um autor de manga: o japonês Katsuhiro Otomo, autor da série de culto Akira.

A 42.ª edição Festival Internacional de Banda Desenhada de Angoulême, que arrancou quinta-feira, está já marcada pela criação de um Prémio Charlie da Liberdade de Expressão e pela já anunciada atribuição do Grande Prémio Especial à redacção do jornal atacado no dia 7. E quinta-feira assim foi: prémio para os sobreviventes do atentado que vitimou 12 pessoas, entre os quais os desenhadores Cabu, Wolinski, Charb, Honoré e Tignous, e seguido da estreia da manga no principal galardão de Angoulême para Katsuhiro Otomo.

A atribuição deste prémio representa o reconhecimento não só da carreira prolífica de Katsuhiro Otomo, já condecorado pelo governo francês em 2005, mas também da BD de origem japonesa, que representa um quarto das vendas de BD em França. Em 2013, o belga Willem recebeu o Grande Prémio, mas o prémio especial no 40.º aniversário do mais importante evento de BD da Europa foi para o pai de Dragon Ball, o japonês Akira Toriyama. As decisões foram polémicas (uma votação expressiva no japonês dos desenhadores acreditados no festival e uma decisão superior do júri pelo nome que mais (re)conhecia) e agora, dois anos depois, Angoulême faz um statement: abre o topo do seu palmarés à importante escola de BD japonesa.

"Tudo está perdoado", escreve o diário francês Libération, numa referência à capa do Charlie Hebdo dos sobreviventes no pós-atentado, e o festival olha para lá do Ocidente e reconhece a manga. O prémio para Otomo, que também estava na lista a votação para o Grande Prémio em 2013, é o quinto não-europeu em 42 anos de festival

O criador de Akira, bem como da sua adaptação ao cinema (1988), venceu então o Grande Prémio do Festival de BD de Angoulême depois de ter sido considerado favorito em 2014 – ano em que foi batido por Bill Waterson, o criador de Calvin e Hobbes que este ano, como é tradição, preside ao evento e em que, como é habitual no criador norte-americano, se mantém ausente e à distância dos media. Um mangaka – a expressão japonesa que descreve o autor de cartoon e que fora do Japão é usada para identificar os autores de manga – que publicou o seu primeiro trabalho em 1973 e que continua a trabalhar, tendo anunciado em 2012 que está a começar uma nova série de manga, a primeira de longa duração desde Akira

Um prémio carreira aos 60 anos para o criador de quase 20 manga que trabalha também como realizador de cinema de animação e de acção real, além de ser também argumentista, e que criou uma Tóquio (Neo-Tóquio) pós-apocalíptica centrada na figura dos jovens Tetsuo e Kaneda e do mítico e misterioso Akira que se tornou numa das séries de BD mais admiradas em todo o mundo. "Em termos de desenho, é intocável", descreveu numa entrevista o japonês Masashi Kishimoto, autor do popular Naruto. "Otomo desenha com uma máquina fotográfica na cabeça." 

Akira ganhou cinco vezes o Prémio Harvey, votado por desenhadores de todo o mundo. E este Grande Prémio de Angoulême é para a carreira de Katsuhiro Otomo, mas é para Akira. “A fresca desmesura de Akira fascina não só pelo seu tema, pelas suas personagens, ambientes e gosto omnipresente pelo desenho, mas também pela sua excepcional exigência estética, que a converteu quase instantaneamente, desde a sua publicação, numa obra de culto”, diz a organização do festival, que confirma a “influência considerável em todo o mundo” das mais de duas mil páginas de desenho surpreendente.

Tudo começa em 1982, com uma explosão que destrói Tóquio e que parece começar a III Guerra Mundial. Em 2019, a cidade reergue-se numa ilha artificial. E de repente estamos em 2030 e na esteira da guerra. Gangues de adolescentes, rebeldes e militares, além de grandes questões sociais, políticas e psicológicas subjacentes, medem forças numa cidade high-tech em cinzas. A obra cyberpunk escrita e desenhada pelo mestre japonês que se estreou em 1982 e foi publicada até 1989/90 em seis grandes volumes. A preto e branco e lida no sentido oposto ao ocidental. Akira seria depois colorizado (versão americana) e tornar-se-ia depois anime, uma adaptação ao cinema de animação celebrada não só pela sua qualidade mas pelo papel que desempenhou na divulgação destas artes visuais japonesas no Ocidente. E também marcou uma viragem no trabalho do seu autor, que passou a dedicar-se mais ao anime. Akira chegaria aos EUA no ano da estreia do filme, em 1988, editada pela Epic Comics, uma chancela da Marvel, e depois pela Dark Horse; em Portugal foi editado pela Meriberica Liber em 1998.

“É uma grande honra para mim receber tal distinção da parte de um país como França”, disse Otomo, citado pelo diário francês Le Figaro. “Tanto mais que sempre fui muito influenciado pela cultura francesa. De desenhadores como Schuiten, Moebius ou Philippe Druillet, mas também por romancistas como Prosper Mérimée ou Júlio Verne”, acrescentou – a sua primeira obra manga, A Gun Report, é exactamente uma adaptação da novela de Mérimée Mateo Falcone. Otomo é também autor dos filmes Memories (1995) ou Steamboy (2004), colaborou na edição limitada da DC Comics Batman Black and White (1996) ou com Takumi Nagayasu em vários livros, mas como o próprio festival reconhece, "nenhuma das suas criações posteriores teve a magnitude ou esplendor comparáveis com o mítico Akira".  

Para trás ficou novamente Alan Moore, o britânico autor do guião dos graphic novels Watchmen, V de Vingança ou A Liga de Cavalheiros Extraordinários, que já estava na corrida em 2014, mas também o belga Hermann Huppen (Comanche, Manhattan Beach 1957). Em 2015, o júri será então presidido por Katsuhiro Otomo. 

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