Gisela João enfrenta os coliseus com um único convidado especial: o público

Hoje os coliseus, amanhã um disco novo: Gisela João quer responder às exigências da crítica e do público com “uma coisa diferente”. Vê-la e ouvi-la, agora, fará parte dessa experiência.

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Gisela João num concerto no Brasil Melissa Haidar

Um ano depois de ter esgotado a Casa da Música e o Centro Cultural de Belém, Gisela João apresenta-se nos coliseus, esta sexta-feira no Porto e, dia 31, em Lisboa. Com um novo disco em perspectiva para este ano, estes espectáculos são para ela um desafio maior, mas que Gisela encara com o profissionalismo a que se tem obrigado desde que a exigência aumentou.

“Idealmente, o que eu gostava de fazer nos meus concertos era um acontecimento, não só musical mas algo mais; ser um espectáculo, mesmo. Tudo o que tenho andado a fazer até agora é furar mercado, tentar, trabalhar, para um dia conseguir ter as condições que quero. É que embora eu adore o disco que fiz, adore cantar essas músicas ainda, esses poemas, passa-me sempre pela cabeça que em cada espectáculo pode haver ali pessoas que já o viram e para elas pode ser chato. Então pensei: agora é uma boa altura para fazer uma coisa diferente.” Mas que coisa?

Isso deu-lhe ainda mais que pensar. Perguntaram-lhe se ela queria ter algum convidado. Pediu um dia para pensar no assunto e disse que não. “É a primeira vez que vou fazer coliseus, em nome próprio, e isso tem que valer por mim. Mas, por outro lado, achei que era bom ter um convidado e decidi que esse convidado seria o público. E tenho pedido ajuda para isso. No meu Facebook, fiz um desenho do Coliseu e pedi às pessoas para enviarem bocadinhos de sons, imagens, coisas que elas achem que façam sentido no concerto, no meu trabalho. Para que eu, o Frederico [produtor] e os músicos tentemos integrar aquilo, ainda nem sei muito bem como, nos concertos. Enquanto público, eu gostaria de estar ali sentada, ver uma coisa e dizer: ‘olha, aquilo fui eu que fiz!’”

Como um atleta olímpico
Essa foi uma ideia, a primeira. A segunda teve a ver com a própria concepção do espectáculo. “Decidi falar com o meu amigo André Teodósio, que é [encenador e fundador] do Teatro Praga, para pensarmos isso em comum. Porque há uma forma que ele tem de levar a vida e de ver a arte do espectáculo que é muito parecida com a minha. Ou seja, não há regras, não há limites.” Isto para dar forma àquilo que Gisela já tinha de algum modo em mente. “O que quero fazer nestes concertos é contar um pouco a história de como é que cheguei a este disco, o que é que fiz no passado para chegar a ele e o que é que vem no futuro. Contar essa história, mas sem aquela ordem aborrecida, fez assim, andou p’rá ali e acabou assim.” Uma história onde vogam um disco praticamente desaparecido (O Meu Fado, de 2006) e o trabalho com o grupo Atlantihda.

Para que isso funcione, Gisela resolveu trabalhar essa ideia intensivamente, todos os dias com os músicos, “do meio-dia e meia às sete e meia” e de terça a domingo (à segunda tiram folga). Para os concertos e também para o seu futuro disco. “Agora, tenho uma coisa que não tinha antes de sair este disco: as pessoas vão com uma expectativa criada e as que já o ouviram têm a fasquia num sítio que não sei qual é, mas que me assusta. Uma vez disseram-me, a brincar: 'Gisela, tu agora tens que pensar que tens de ser como um atleta olímpico'. E é verdade. Porque se um dia me deitei um pouco mais tarde, as pessoas que pagam bilhete não têm nada a ver com isso.”

Ensaios obsessivos
Um disco novo, com novo repertório, deverá surgir já em 2015. Nos coliseus, Gisela cantará uns sete temas novos, mas evita nomeá-los, prefere que a surpresa funcione. Alguns serão, como já antes sucedeu, fados clássicos que ela tentará moldar à sua voz. “Não gosto nada da ideia de andar a mostrar coisas antes do disco sair. Faz-me espécie, como se fosse uma aldrabice. Gosto do desafio de dizer: 'Está aqui, é isto'. E as pessoas ouvem e gostam ou não. Acho que é um truque andar a mostrar bocadinhos.” Facto é que, e ela admite-o, o disco de 2013 surgiu assim. “A maioria das coisas, eu já cantava, é verdade. Mas o que vou fazer agora, neste disco, é um pouco diferente. Eu cantava o Meu amigo está longe aí há uns dez anos, e o poema e a música ficam de tal forma cá dentro que canto aquilo cada vez mais à-vontade e consigo brincar muito mais. Por isso é que temos estes ensaios, obsessivos, para experimentar e experimentar.”

A busca pelos poemas tem sido incessante e exaustiva. “Chegam-me tantos poemas, leio-os e gosto. Mas,, depois para os cantar, não encaixam. Então, prefiro procurar nos antigos.” Voltando aos coliseus, terá nas novidades “um bocadinho dos dois”. “Assumidamente gosto muito do fado tradicional, dos fados-canção que são considerados fados tradicionais. Diziam que era muito importante ter repertório meu e isso assustou-me um bocado, mas agora acalmei um pouquinho. Porque não acho que seja menor reinterpretar coisas que já estão esquecidas, cantá-las de novo e mostrá-las aos jovens. Porque é isso que me interessa.”

Mas isto não invalida a escolha de temas novos e, nestes, Gisela reincidiu num nome: “Mais uma vez, o João Lóio [autor de Vieste do fim do mundo]. Estou cada vez mais encantada com esse senhor. Não sei ainda bem qual dos poemas que tenho trabalhado vai ficar. Mas ficará um ou dois, não sei bem. E ando com conversas com uma pessoa que admiro muito e que tive muita pena de não ter vindo a tempo para o meu disco anterior, que é a Manuela de Freitas. É das pessoas mais incríveis a escrever para fado. E tenho andado a ler algumas coisas de poetas com quem ainda não falei. Vamos a ver…”

Nos coliseus, com Gisela João, estarão Ricardo Parreira (guitarra portuguesa), Nelson Aleixo (viola de fado) e Francisco Gaspar (viola baixo). A encenação é de André Teodósio, do Teatro Praga, e a direcção musical é de Frederico Pereira. “Não haverá mais músicos, mas, no futuro, vejo como possível estes mesmos músicos abordarem os instrumentos de outra forma. E há outro desafio, este colocado a mim própria: o fado não tem necessariamente que ser a guitarra portuguesa, a viola e o baixo. O fado está muito na interpretação e na estrutura melódica da própria música. Então, talvez apareçam umas coisas electrónicas, quem sabe?”

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