Gil do Carmo: “É necessário começarmos a pensar a uma voz”

Oito anos depois de Sisal, Gil do Carmo está de volta aos discos. A Uma Voz e com a intenção de não voltar a parar.

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“Partimos de Lisboa, do fado, das raízes portuguesas, para tudo o que é música do mundo" CARLOS RAMOS

Gil do Carmo está de volta. Não que se tenha afastado da música, mas muitas outras coisas desconcentraram-no dela. Agora imergiu de novo nas canções, na composição, e lançou um disco de sonoridade mestiça mas mais clara, sempre com Lisboa ao fundo.

Nascido a 21 de Junho de 1973, em Lisboa, filho e neto de fadistas (Carlos do Carmo e Lucília do Carmo), Gil começou a gravar e nome próprio há praticamente duas décadas. No início, lançou dois discos quase de uma assentada: Mil Histórias (1997) e Nus Teus Olhos (1998), ambos gravados em Boston e produzidos por Miguel Sá Pessoa (no segundo participaram Júlio Pereira, Laurent Filipe, Tito Paris ou Paulo Parreira). Depois fez um longo intervalo e nasceu Sisal (2008). Agora, após novo intervalo, ainda grande mas ainda assim menor, surge A Uma Voz. “Depois do Sisal, que foi complicadíssimo de gravar porque tinha arranjos para orquestra, não sei quantos coros e instrumentistas, convidados, precisei de fazer uma pausa para perceber o que queria fazer.” E deu-se uma viragem, nalguns pontos. Um, foi ter deixado de ser dono e programador do bar Speakeasy, em Lisboa, actividade que lhe tomava grande parte do tempo; outro, foi ter conhecido o acordeonista João Frade, em 2010. “É um músico genial, brilhante.” Os passos seguintes foram compor, fazer músicas novas e experimentá-las ao vivo.

O trabalho, que começou há quatro anos, envolveu músicos como Yami, José Manuel Neto, Vicky ou João Frade. “Quis dar azo à experimentação, ao contributo de cada um deles, de modo a que as canções vivessem com princípio, meio e fim na simplicidade com que íamos construindo a banda, as músicas e a uma voz.” Esta ideia, que soa quase como um apelo, e que aliás dá título ao disco, é quase um apelo. “Começou a desenhar-se dessa forma. E gosto do sentido duplo do título: porque é literalmente a uma voz (só há uma voz no disco, não há sequer coros) e porque é necessário começarmos a pensar a uma voz. Em termos sociais, globais, humanos, andamos distraídos. Sente-se uma alienação no ar que me faz confusão, e que passa muito pela forma como as pessoas são bombardeadas pelo consumo. O sucesso rápido, reagir rápido, nas redes sociais tem que se ser rápido… Acho que isto vai ter que levar outra volta: andarmos mais devagar e passarmos para o lado humano o controlo da tecnologia, que agora nos controla a nós.”

Lisboa e o mundo
A sonoridade de A Uma Voz tem raízes no modo como as músicas foram trabalhadas ao longo destes anos (online, já circula o vídeo de O teu cheiro a café torrado) “Tenho o privilégio de trabalhar com músicos muito melhores do que eu. Conhecendo a personalidade de cada um, vamos conhecendo os caminhos que dão determinado resultado. É ter Lisboa sempre como cais de partida para chegar aos outros cais para onde fomos. Influenciámos, fomos influenciados, deu-se a miscigenação (que é uma palavra que uso bastante e acho que é forte) e Lisboa é um dos pontos do mundo mais interessantes por isso”. Sintetizando: “Partimos de Lisboa, do fado, das raízes portuguesas, mas para tudo o que é música do mundo, tudo o que ouço e de que gosto.”

Na apresentação do disco, Ivan Lins, cantor e compositor brasileiro há muito ligado a Portugal, elogia a sua “atmosfera sonora” e descreve-o como “totalmente acústico, utilizando instrumentos ligados à música popular portuguesa”. Gil do Carmo confirma que era essa a sua intenção. “Depois da complexidade do Sisal, queria despi-la nesta simplicidade de as músicas e as letras viverem por si e a uma voz.” Num futuro, admite dar outro passo. “Gostava de pegar no que a tecnologia nos pode dar, juntá-la com o acústico e ver o que abordagem é que se pode fazer. Será uma outra fase.”

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