Fight the power

Na sua primeira individual, Tiago Alexandre figura a adolescência como tempo de contestação e de conquista do poder

A busca de Tiago Alexandre por uma voz própria, a que os ténis e os bonés dão expressão, e´ feita em combate com as figuras do pai e da mãe
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A busca de Tiago Alexandre por uma voz própria, a que os ténis e os bonés dão expressão, é feita em combate com as figuras do pai e da mãe
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A busca de Tiago Alexandre por uma voz própria, a que os ténis e os bonés dão expressão, é feita em combate com as figuras do pai e da mãe
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A busca de Tiago Alexandre por uma voz própria, a que os ténis e os bonés dão expressão, é feita em combate com as figuras do pai e da mãe

Tiago Alexandre (Lisboa, 1988) faz uso de um muito variado leque de recursos na sua obra. Não se trata só de um efeito da facilidade com que transita entre diferentes disciplinas e linguagens artísticas — como o desenho, a pintura, o vídeo e a escultura —, resultando também dos temas que aborda, muitas vezes cruzando referências da história da arte e da cultura popular com a sua biografia.

Se o eu e a sua fisionomia são temas determinantes na linguagem deste artista, não o são enquanto gesto narcísico de fascínio sobre o si-mesmo, mas enquanto formas deconfronto com uma espécie de matriz primitiva da personalidade humana. Um confronto que torna indistintas as fronteiras entre o eu e o nós, o indivíduo e o mundo. Quero com isto dizer que o elemento interessante na possível narrativa constituída pelos trabalhos de Tiago Alexandre reside no modo como aborda traumas colectivos a partir da sua história pessoal. Uma história na qual palavras como mãe, pai, culpa, perseguição, narcisismo, entre outras, são elementos determinantes, porque associados a um modo específico de construção de uma personalidade e, sobretudo, de uma visão do mundo. Não interessa perceber se o dispositivo artístico serve como máquina biográfica, isto é, se o gesto artístico serve ao artista como criação de um eu anteriormente inexistente ou se as suas obras são lugares de convergência, registo e expressão do seu passado e da sua memória. Oaspecto relevante é sublinhar como as suas obras são constituídas por um gesto de auto-conhecimento que em vez de revelar o artista o transforma numa forma universal: ou seja, todos se reconhecem nas tensões psicológicas e emocionais representadas nas obras deste artista.

Pode entender-se esta sua primeira exposição individual na Galeria Graça Brandão como uma espécie de alegoria da juventude do artista. Uma juventude marcada pela procura de um estilo e de uma voz próprios a que os ténis, os bonés e um dos vídeos dão expressão. Mas o que mais chama a atenção é que essa procura de uma espécie de “voz própria” é feita em estreita relação — e em combate — com as figuras do pai e da mãe: num desenho monumental em forma de cruz, na parede central da galeria, o artista escreveu obsessivamente as palavras mãe e pai. E este desenho lança o mote de toda a exposição, a que se contrapõem os bustos de barro com auto-retratos do artista a usar bonés coloridos debaixo de citações de uma famosa música de 1983 dos Police, Every breath you take. Uma música com matriz obsessiva que o artista faz sua: “Every single dayEvery night you stayEvery move you makeEvery word you sayEvery smile you makeEvery breath you takeI’ll be watching you”. Palavras que inscrevem a exposição como uma espécie de convocação freudiana dos pais que, por um lado, afirmasse a impossibilidade da separação e, por outro, o desejo de cortar com essa origem e com esse poder instituido. Uma tensão que expressa a necessidade do estabelecimento de um ordem espontânea, criada a partir da descoberta do si-mesmo e não incorporada a partir dos elementos exteriores detentores de poder.

Esta é uma exposição sobre a adolescência não enquanto olhar nostálgico para um tempo de ouro perdido, mas como tempo de contestação e de conquista do poder. As tensões inscritas nesta ficção da adolescência não são representadas de forma abstracta, mas encontram no corpo e no rosto do artista os seus lugares de expressão. A maneira como a auto-representação (ou auto-encenação) surge nestas obras não tem como propósito enaltecer a personalidade e o ego do artista, mas mostrar o corpo como o lugar onde acontece a conquista do poder. E esta é uma exposição sobre essa luta, por se tratarem de obras onde se leva a cabo a tentativa de um individuo para se determinar a si mesmo, longe dos poderes exteriores e externos que lhe são impostos. Mas se esta luta pelo poder e pela auto-determinação é marcante na narrativa desta exposição, também o é o modo como o artista articula as questões do registo biográfico e da ficção de si mesmo, mostrando como o si-mesmo não é um acumular da memória, antes se tece com elementos criados espontaneamente pela imaginação.

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