Fiéis companheiros

A Pixar volta finalmente a correr riscos.

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Francamente, estávamos com saudades da “velha” Pixar — o estúdio que, ao longo dos anos, foi alargando as fronteiras do que podia ser uma longa-metragem de animação, com cartas tão fora do baralho como Wall-E, À Procura de Nemo ou Up — Altamente!. Já este ano, Inside Out — Divertida-mente dava a entender que depois de um período menos feliz o rumo estava a ser corrigido. A Viagem de Arlo confirma-o: a Pixar voltou a correr riscos, inscrevendo o novo filme na velhinha tradição Disney dos romances iniciáticos da natureza como Bambi. Só que esta natureza existe numa Terra alternativa onde o meteoro que destruiu os dinossáurios passou ao lado. Neste outro mundo às avessas, os dinossáurios são a forma de vida dominante e os seres humanos não passam de uma criatura selvagem como outra qualquer; Arlo, o “herói”, é o benjamim desastrado de uma família de apatossáurios agricultores, que o acaso lança numa viagem pelo mundo que o rodeia onde aprenderá o que significa ser adulto e travará amizade com Spot, um órfão humano que se tornará no seu fiel companheiro.

A audácia conceptual de A Viagem de Arlo é, por isso, dupla: coloca o humano e o animal nos papéis um do outro, dando corpo a uma mensagem de boa governança ecológica e de respeito pela diferença que raras vezes terá estado presente de modo tão eficaz e tão discreto num filme deste género; e coloca o seu herói dinossáurio no centro de uma aventura que podia ter saído direitinha dos romances de Jack London ou dos velhos westerns, pois Arlo é um “pioneiro” que procura regressar a casa num Oeste selvagem deslumbrantemente realizado em animação fotorrealista (não raras vezes questionando se não se tratará de imagem real). O todo é ilustrado por uma inspirada banda-sonora dos irmãos Mychael e Jeff Danna, em constante e quase imperceptível mudança de registo entre o erudito sinfónico e o tradicional popular, e pelo precioso cuidado que reconhecemos no estúdio em construir uma história, uma narrativa, que funcione como motivo da animação e não apenas pretexto. Se for preciso ceder e fazer mais um Toy Story ou mais um Carros para garantir que a Pixar continue a produzir obras deste calibre, pois que assim seja.

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