Fernanda Lapa: "Chego aos 50 anos de carreira e sou tratada como se estivesse a começar"

Fernanda Lapa e Isabel Ruth são Leni Riefenstahl e Marlene Dietrich na peça Marleni, que esta terça-feira tem estreia em Matosinhos.

Foto
Fernanda Lapa é Leni Riefenstahl e Isabel Ruth é Marlene Dietrich na peça em estreia em Matosinhos DR

A actriz Fernanda Lapa, que este ano comemora as cinco décadas de carreira, diz que, por vezes, se sente tratada como se estivesse a começar a trabalhar, devido à falta de condições e apoios.

Em declarações à Lusa depois do ensaio geral da peça Marleni - Divas Prussianas, Loiras como Aço", que se estreia esta terça-feira no Cineteatro Constantino Nery, em Matosinhos, Fernanda Lapa revelou que a luta, no caso da sua companhia teatral, é "não deixar morrer" porque "se morre, acabou".

"Às vezes penso: 'Caramba, chego aos 50 anos de carreira e sou tratada como se tivesse começado agora'. E isso é triste. E isso magoa. Porque não temos as condições mínimas de trabalho", afirmou a actriz, também directora artística da Escola de Mulheres - Oficina de Teatro, coprodutora com o teatro municipal de Matosinhos de Marleni.

Fernanda Lapa sublinhou que não se pode pensar que "a cultura é rentável", porque é "um bem por si próprio, não tem preço". "Teve sempre que se lutar muito no teatro. Neste momento estamos numa altura muito grave, quer dizer, todo o país, em todas as profissões. A cultura é claro que sofre mais, tem um orçamento reduzidíssimo e é onde se corta", acrescentou a artista.

Neste contexto, Fernanda Lapa reconheceu que se Marleni - Divas Prussianas, Loiras como Aço não tivesse contado com o apoio e coprodução do Constantino Nery não teria sido possível levar a peça ao palco. Na obra, a actriz contracena com Isabel Ruth, num texto que põe frente a frente a realizadora alemã Leni Riefenstahl e a actriz nascida no mesmo país Marlene Dietrich, que depois optou por fazer carreira em Hollywood.

"Não há muitos papéis para mulheres da minha idade e da Isabel. Não há muitas personagens femininas. Normalmente são as avozinhas, as velhas bruxas, seres humanos complexos com desafios, com conflitos. Por isso achei a peça muito interessante", sublinhou Fernanda Lapa.

 
Encenação de João Grosso

Marleni - Divas Prussianas, Loiras como Aço, peça da autoria da dramaturga alemã Thea Dorn, coloca frente a frente a realizadora Leni Riefenstahl, cuja obra glorificou o nazismo, e a actriz Marlene Dietrich, ambas na recta final das suas vidas, num esforço da criadora de O Triunfo da Vontade para realizar um novo filme, que tenha a estrela de O Anjo Azul como protagonista.

"A escolha da peça partiu de uma vontade que eu tinha de encenar uma coisa com a Fernanda Lapa. Eu já tinha sido várias vezes encenado por ela e há uns tempos perguntei-lhe se ela não gostaria de ser encenada por mim. Ficou contente com isso e começou à procura de possibilidades de peças para fazermos", explicou à Lusa o encenador, João Grosso, que realçou que devido às restrições orçamentais teria de ser um trabalho com poucos personagens.

O encenador disse que encararam a escolha de Divas Prussianas, Loiras como Aço como interessante por se tratar de "duas figuras muito conhecidas e que tiveram um grande estrelato no século XX, cada uma à sua maneira, e que acabaram, na sua velhice, no anonimato", tendo sido "recuperadas depois da morte".

No entanto, as duas personagens simbolizam também "as duas ideias estruturantes da história da Europa no século XX e que transbordam para o século XXI", ou seja, por um lado, a democracia e a aceitação e, por outro, os valores do fascismo e do nazismo.

Fernanda Lapa, que assinala em 2014 os 50 anos de carreira, reconheceu que a peça representou um "desafio" por tudo o que Riefenstahl, realizadora icónica do regime de Hitler, simbolizou: "A minha primeira reacção a esta personagem é a de um ser repelente. E, portanto, tive muita dificuldade em ser simpática em cena, sorridente, porque eu via sempre aquela mulher [como] uma nazi".

Por seu lado, Isabel Ruth, que interpreta Marlene Dietrich, disse ter descoberto que a actriz, que abandonou a Alemanha pelos EUA, era uma mulher "muito forte", mas "muito dócil também".

No palco, Isabel Ruth e Fernanda Lapa estão no quarto de Dietrich no seu apartamento em Paris, entre vários blocos de cartão com rostos de actores conhecidos ("os meus homens", diz Marlene Dietrich a dada altura), uma cama envolta em plástico e uma pintura como fundo. É nesse espaço que as duas confrontam as suas ideias e que Riefenstahl procura dar início ao seu novo projecto, que só terá financiamento caso Dietrich aceite ser parte dele.

"Há duas maneiras de envelhecer, há o exterior, que nós tentamos preservar o máximo possível da beleza e da saúde, mas depois também há o envelhecer da sabedoria, da compreensão, do amor pelos outros, do respeito", declarou Isabel Ruth.

MarLeni - Divas Prussianas, Loiras como Aço vai estar em cena em Matosinhos até ao dia 16 de Novembro, prosseguindo depois a carreira em Lisboa, onde estará em cena no São Luiz Teatro Municipal, entre 11 e 19 de Dezembro.

Sugerir correcção
Comentar