Falar de amor é um caminho para a catástrofe

A partir de Roland Barthes, Paula Diogo apresenta no Negócio, em Lisboa, L-O-V-E, um espectáculo em que de pouco serve querer falar sobre o amor.

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Paula Diogo é intérprete e co-autora do espectáculo Luís Martins
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O amor aqui passeia-se com a linguagem, surge como um puzzle possível de palavras soltas Luís Martins

L-O-V-E fala de amor. Mas os hífenes existem porque o amor tropeça. E não se lê assim de seguida, de uma penada, como se fosse coisa simples, lógica, racional, transmissível.

É por isso que Paula Diogo fala de amor. Mas fala usando Roland Barthes como escudo, para também ela não se expor ao ridículo. E fala usando Roland Barthes porque este L-O-V-E, que se estreia quarta-feira no Negócio – Zé dos Bois, em Lisboa, onde fica até sábado, parte do livro Fragmentos sobre o Discurso Amoroso. “É um dos poucos autores que conheço que tenta elaborar um discurso sobre este sentimento, algo que supostamente não pode ser intelectualizado”, diz ao PÚBLICO Paula Diogo, intérprete e co-autora do espectáculo (juntamente com Alfredo Martins).

“A nossa curiosidade foi tentar perceber como se podia falar de amor a partir das palavras do Barthes”, acrescenta. E quando menciona “as palavras do Barthes”, Paula Diogo está mesmo a referir-se às palavras, não às frases. O amor aqui passeia-se com a linguagem, surge como um puzzle possível de palavras soltas tais como “magia”, “monstruoso”, “conivência”, “louco”, “contactos”, “tratar-se”, “abraço” ou “mutismo”, que a actriz dispõe em folhas de papel numa quadrícula desenhada no chão. E a partir daqui vai tentando construir frases, juntando os vocábulos em combinações como “corpo sozinho espera compreender festa” ou “corpo sozinho espera esconder demónios”.

Há em L-O-V-E também uma tentativa de reclamar para o palco uma temática exausta pela sua apropriação desmedida por parte da cultura pop. “A história do amor romântico”, teoriza Alfredo Martins, “foi sendo cada vez mais espremida e talvez por isso a criação contemporânea, para se distanciar, tenha começado a olhar o amor com desconfiança, sobretudo o mais sentimentalista.” Até porque o amor, ao expor ao ridículo, torna-se quase imediatamente sinónimo de fraqueza e de fragilidade – “nem sempre mostra as nossas qualidades, os nossos lados mais bonitos, o nosso intelecto composto”, acrescenta Alfredo Martins.

A partir da proposta de Barthes, Paula Diogo toma o palco oferecendo-se como alguém que tenta elaborar um discurso sobre o amor enquanto está acometida precisamente desse sentimento. “É uma simulação desse estado em que se perde o norte”, refere a actriz, “em que se fica em constante movimento e se é assaltado por sentimentos contraditórios, mas sem chegar a conclusões algumas.”

Antes de procurar desesperadamente nas palavras espalhadas pelo chão – “por ordem alfabética”, lembra, “porque o Barthes diz que, apesar de tudo, é a ordem que fica menos sujeita ao acaso e o acaso", diz ainda, "pode criar monstros” – um consolo para a sua necessidade de comunicação afectiva, Paula mune-se também de arco e flecha, encarna brevemente Cupido, e tenta alvejar o melhor possível um coração pendente do tecto. O amor é o alvo, mas teima em não se deixar domar, mesmo depois de trespassado, mesmo depois de o coração ser puxado para baixo e espancado à paulada logo depois do anúncio “É pois um apaixonado que fala e diz.” E o apaixonado, mais uma vez, apenas mostra a sua frustração por nada conseguir dizer.

De resto, é para esse “nada dizer” que L-O-V-E caminha em cada momento, para uma falência repetida da linguagem em servir o amor – ou servir-se do amor. Paula Diogo vê apenas “um caminho para a destruição, para a catástrofe, porque é um caminho com esse confronto com as palavras que não dizem o que se quer dizer, para um discurso necessariamente falível.” De onde quem fala é tão mudo quanto surdo é quem ouve.

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