Estes ingleses não são nada tolos

Uma música pop desestruturada e desengonçada que conquista logo ao primeiro embate. Os ingleses Adult Jazz estreiam-se com o álbum Gist Is.

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Quatro amigos da universidade decidem fazer música em conjunto, enquanto completam os cursos, e daí resulta Gist Is, álbum de estreia dos Adult Jazz, autoproduzido pelos próprios e lançado na sua editora.

Os amigos são Harry Burgess, o mentor incontestável do grupo, à frente de Tom Howe, Steven Wells e Tim Slater, estudantes da Universidade de Leeds, em Inglaterra. Logo ao primeiro acorde percebe-se que este é um daqueles objectos inundados de alusões sonoras reconhecíveis (Dirty Projectors, Vampire Weekend, Wild Beasts, These New Puritans, Micachu, Björk, Talking Heads, Arthur Russell ou Tune-Yards), mas o que daí resulta, não sendo revolucionário, acaba por soar extremamente distintivo.

É um daqueles discos que convocam, em igual medida, estranheza e familiaridade, complexidade e simplicidade, cantilenas artesanais e dedilhados de guitarra que criam um som melodicamente espaçoso. Pode não ser para alguns uma obra de fácil apreensão à primeira. Por vezes parece que Burgess está a cantar qualquer coisa diferente do que o grupo toca ao seu lado e existem sempre elementos de várias famílias musicais em circulação (rock, folk, jazz, pop, electrónicas), mas a expressividade directa sobrepõe-se por completo à aparente desestruturação das canções.

Os temas são quase sempre longos, por vezes parecendo inacabados, com várias mudanças de intensidade em cada canção, mas é essa imprevisibilidade que seduz. Até as letras parecem conter essa falta de centro unificador reconhecível, resultando por vezes numa colagem inacabada de palavras, onde a estrutura da canção acaba por ser desafiada, apesar de sermos confrontados com temas como a religião ou a opressão.

A voz de Burgess é flexível, apesar de o falsete estar muito presente. “In those longish summer days, dulled/ we were at the perfect age”, canta ele em Pigeon skulls, tentando atribuir um sentido preciso às palavras, apesar de parte do álbum ser sobre impossibilidades na comunicação: “A dificuldade em expressar um sentimento ou pensamento, seja uma metáfora ou uma profunda verdade moral, apesar de as palavras serem sempre parciais.”

 

Pequenas abstracções

A música dos Adult Jazz transporta espaço e invenção, criando ressonância. Não é pop convencional. Mas também não é de digestão pesada. “Gosto do lado conceptual da música, mas não é preciso ser-se iluminado para entrar na nossa música. A última coisa que me apeteceria fazer seria música que não fosse inteligível para qualquer pessoa”, sentencia Burgess. “No limite, gostava que as pessoas olhassem para a nossa música como sendo divertida, como nós.”

Quando lhe falam de inspirações também não tem problemas em admitir que, em termos de composição, Joanna Newsom constituiu uma influência, tendo sido a partir da audição da sua música que percebeu que diferentes ideias melódicas podiam coincidir no espaço de uma canção. Da mesma forma, cita Van Morrison na sua forma desarticulada de cantar, ou os Wildbirds & Peacedrums pela forma como concebem canções minimalistas, apenas com voz e percussões. Foi assim que os Adult Jazz perceberam que podiam pôr em prática o máximo de ideias com uma estrutura sonora esquelética. 

O quarteto teve inicio quando Burgess e Tim Slater, velhos amigos de infância, se juntaram a Steve Wells e começaram a fazer música, quando os três foram parar à mesma universidade. Aí viriam a conhecer Tom Howe, que os encorajou a gravarem as canções que tinham composto.

Desde as primeiras gravações que as canções nunca tiveram um centro definido. Não constituíram um trabalho aturado de procura. Foi qualquer coisa que surgiu de forma muito espontânea. “Nos primeiros ensaios as canções já pareciam pequenas abstracções, permitindo-se pulsar em diferentes direcções sem que existisse um eixo principal”, lembra Burgess.

Gist Is é um disco sereno. Entre curvas e momentos de expansão, existem efeitos quebrados da percussão e bases instrumentais capazes de tecer o universo climático do grupo, mas o todo, apesar da jovialidade das acções, resulta contido, aproximando-se mais da música de câmara do que de lógicas rock.

Ao que parece, essa dimensão acústica é ainda mais evidenciada em palco, local onde, rezam algumas crónicas, exalam uma confiança quase insolente, o que acaba por não ser surpreendente para quem foi capaz de se impor num tão curto espaço de tempo. No final de Novembro, será possível comprová-lo quando actuarem em Lisboa no festival Vodafone Mexefest.

Quando ainda ninguém sabia bem quem eles eram, à mera menção do nome Adult Jazz poder-se-ia imaginar um colectivo de barbudos maduros que se encontram ao final do dia para tocarem uns acordes lá no bar do bairro onde vivem. Ou então isto: um quarteto de jovens imberbes, na casa dos 20 e poucos anos, entre o provocador e o convencido, que deseja conquistar o mundo com uma pop desestruturada e desengonçada, que acaba por ser mais lúdica do que eles próprios desejariam, tão desejosos estão de convencerem os amigos que são experimentais. Não são. E também não conquistarão o mundo. Mas ao primeiro álbum já foram capazes de criar o seu próprio mundo. O que acaba por ser bem bom.

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