Especialistas timorenses contra redução do ensino do português no país

Os comentários foram feitos antes da votação, terça-feira, de uma Apreciação Parlamentar para cessar a vigência de dois polémicos diplomas que colocam o português como língua principal apenas no 3.º ciclo.

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Diplma prevê o português como língua principal apenas no 3.º ciclo Miguel Madeira

Especialistas timorenses criticaram nesta segunda-feira os diplomas que retiram o português do início dos currículos escolares, substituindo-o por línguas maternas, até agora apenas ensinadas em contexto familiar.

Em causa estão dois diplomas já aprovados que colocam o português apenas no terceiro ciclo, privilegiando, no início do percurso escolar, as línguas maternas, transmitidas pela família – diferem de região para região de Timor-Leste, e não coincidem com as duas línguas nacionais do país: o português e o tétum.

Os comentários foram feitos num debate, no parlamento nacional, antes da votação, terça-feira, de uma Apreciação Parlamentar para cessar a vigência de dois polémicos diplomas que colocam o português como língua principal apenas no 3.º ciclo e introduzem o ensino noutras línguas maternas timorenses, não oficiais.

Timor-Leste tem duas línguas oficiais – português e tétum – e várias línguas maternas, locais ou regionais, usadas por uma fatia minoritária da população.

Benjamim de Araújo e Corte-Real, director-geral do Instituto Nacional de Linguística de Timor-Leste, que aludiu à capacidade dos cérebros mais jovens, até 12 anos, para adquirir línguas, referiu ainda as assimetrias que se criariam com o ensino das línguas maternas.

Segundo Corte-Real "atrasar sistematicamente" o ensino do português, como prevêem os decretos "coloca em desvantagem quem vive no campo, face a quem vive na cidade" – é nas zonas rurais que mais se utilizam as línguas maternas – e "cria uma assimetria que condiciona em vez de promover igualdade de oportunidade e de acesso".

Para Corte-Real, o Estado deve procurar a emancipação dos seus cidadãos e não pode deixar que factores externos "condicionem diferenças entre cidadãos" ou "criem situações que constantemente estrangulem as línguas".

Mesmo que investir nas línguas maternas – "com um gasto gigantesco" – seja "matematicamente possível" essa decisão, disse, pode "prejudicar o futuro dos cidadãos" porque com as línguas maternas não é possível progredir no processo educativo.

"Temos que promover e proteger a cultura local mas temos que aprender as línguas oficiais cedo para ajudar todo o processo de aprendizagem. Se não, chegam com as línguas oficiais fracas à universidade e não conseguem progredir", afirmou.

Fernanda Sarmento Ximenes, professora do Departamento de Língua Portuguesa da Universidade Nacional de Timor-Leste (UNTL) considerou que, mais do que "política ou teorias de ensino", o mais importante é perceber a "experiência do ensino em Timor-Leste".

"Os professores de língua enfrentam muitas dificuldades devido a uma aquisição tardia da língua portuguesa. E isso cria dificuldades para os estudantes", afirmou.

"E depois temos que considerar os recursos materiais e humanos para as línguas maternas. Há prioridades mais importantes, como o analfabetismo ou a pobreza, do que as línguas maternas", afirmou.

Para esta especialista Timor-Leste deve "aproveitar todas as ínfimas oportunidades para promover a língua portuguesa" já que há estudos que demonstram que "uma criança que comece a aprendizagem de uma língua estrangeira mais cedo tem mais facilidades em aprender outras línguas".

"Temos que aproveitar a idade mais jovem, com a capacidade mais elevada, para aprender as línguas. Quando não há bases de língua desde muito pequeno é mais difícil", afirmou.

Portugal entrega bolsas a estudantes timorenses

Enquanto se discute a mudança dos currículos escolares, o embaixador de Portugal em Díli, Manuel de Jesus, entregou nesta segunda-feira bolsas de estudo da cooperação portuguesa a 40 estudantes de licenciaturas da UNTL.

Trata-se de bolsas atribuídas no âmbito do regulamento assinado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua e pela UNTL em Março de 2014 no valor de 550 euros. Os beneficiários são alunos matriculados no 2.º ano de licenciatura ou bacharelato de áreas consideradas prioritárias ao desenvolvimento do país como língua portuguesa, ensino, medicina, comércio e turismo, economia e gestão e agricultura.

A cooperação portuguesa atribui, além destas bolsas para o estudo em Timor-Leste, outras para estudantes de mestrado e doutoramento em Portugal.

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