Encruzilhada final

Robert Plant de um blues ao outro, entre a América e o Mali

Foto
Robert Plant encontrou em África uma das suas grandes obsessões: o blues do Mali York Tillyer

Levado por Justin Adams, Robert Plant foi a primeira grande figura do pop/rock ocidental a afundar os pés na areia de Essakane, a 65 quilómetros de Timbuktu, onde decorreram as primeiras edições do emblemático Festival au Désert — iniciado em 2001 como celebração e rampa de lançamento da música tuaregue e maliana. Já em 1994, ao juntar-se novamente a Jimmy Page, Plant puxara a gravação de No Quarter para Marrocos, recorrendo a um ensemble de cordas local e a uma orquestra egípcia. Mas no Mali, em 2002, o ex-vocalista dos Led Zeppelin havia de confrontar-se com uma visão simplificada da música que há muito lhe escapava: “Não havia portas, nem portões, nem dinheiro. Lembrou-me do porquê de ter começado a cantar. Nada era comercializado”, disse à Rolling Stone. O impacto seria tão impressivo que, ao lançar uma compilação no mesmo ano, Plant chamar-lhe-ia Sixty Six to Timbuktu — alusão à data das suas primeiras gravações (1966) e àquele que via então como o seu novo ponto de chegada (uma nova perspectiva sobre os blues, patrocinada pelo Mali).

Adams, anterior colaborador de Jah Wobble nos Invaders of the Heart, já tinha os ouvidos enfiados na areia do deserto, tendo então produzido o álbum que apresentou os Tinariwen ao mundo ocidental (The Radio Tisdas Sessions). Ao tornar-se o braço direito de Plant, o guitarrista ajudaria o ex-Zeppelin nesse gesto singular de dispensar qualquer condescendência para com a sua carreira solo pós-inscrição definitiva do seu nome na história do rock, condição que, assim o tivesse desejado, poderia alimentar com mero recurso a umas quantas viagens nostálgicas e a uns avulsos actos públicos que reclamassem o lugar no trono sempre que o ego ou a conta bancária precisassem de inchar mais um pouco. Em vez disso, Plant preferiu o risco.

Lullaby and… the Ceaseless Roar

 é mais um passo nessa recusa liminar de procurar solo firme. Juntando sem esforço as suas grandes obsessões musicais dos últimos anos (blues facção Mississípi, blues facção Mali), Adams traz ainda para a festa o virtuoso músico gambiano Juldeh Camara, com quem forma o duo JuJu. Por entre estas referências, Robert Plant opera uma magia capaz de pegar no tema tradicional apalache 

Little Maggie

 e transformá-lo num bluegrass subsariano ou de baloiçar repetidamente entre a mais eivada linguagem pop/rock e uma escalada pelo mapa de África acima até motivos melódicos magrebinos, em temas como 

Pocketful of golden

.

É nesta encruzilhada que, com espanto, a música de Robert Plant vai vivendo sem atrito, encontrando um lugar apenas seu. De facto, sem seguir o exemplo de Robert Johnson ao vender a alma ao diabo, Plant elege antes a encruzilhada como destino final e enjeita a tentação de ver aqui uma paragem estratégica para prosseguir noutras demandas.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários