Em busca da Albertine perdida, ou uma viagem no tempo com Marcel Proust

Albertine, o Continente Celeste é o mergulho de Gonçalo Waddington no hipertexto proustiano — com a ajuda de astrofísicos.

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PAULO PIMENTA
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Depois de entrar, Gonçalo Waddington demorou uma eternidade a sair do túnel Em Busca do Tempo Perdido – a coisa “mais bonita e mais exigente” que leu na vida, so far

“Ler o Proust é como chegar a um país novo – é preciso aprender os hábitos, mas de repente ele prega-nos uma rasteira e estamos completamente agarrados… Foram dois anos a viver com o material, e vários meses a escrever”, explica no intervalo de mais um ensaio de Albertine, o Continente Celeste, mergulho de cabeça no indomável hipertexto de Marcel Proust que, depois da estreia no Teatro Carlos Alberto, Porto, às 21h30, chega ao São Luiz, em Lisboa (10 a 18 de Outubro), e para o qual precisou da ajuda de astrofísicos e cosmólogos (e de dois actores “especiais”, Tiago Rodrigues e Carla Maciel).

Astrofísicos e cosmólogos, sim. O espectáculo escrito e encenado por Waddington a partir de um eixo central do romance, a personagem de Albertine, é uma viagem no tempo – os formatos, os protocolos e as convicções (a soirée, a corte, o progresso irremediável da ciência) são do início do século XX, mas os meios, os apartes e as figuras de estilo (o vídeo, o namedropping, o inglês como língua franca) são os desta segunda década do século XXI, tal como Marcel Proust os teria usado a seu favor (“give or take a few…”) se então estivessem disponíveis. Do mesmo modo que deu tudo de si nos sete volumes (três dos quais póstumos) de Em Busca do Tempo Perdido, Marcel (Tiago Rodrigues) está disposto a dar tudo de si nesta noite – assim os seus convivas (nós, os espectadores) consigam acompanhar (ou “pavlovizar”) o ritmo com que lê os nomes (Balbec, Guermantes, Swann, Verdurin) escritos nos pequenos pedaços de papel que vai amarrotando e atirando pelo ar, ou na direcção de Albertine (Carla Maciel), a mulher que perdeu e de que este espectáculo vai à procura.

É tudo uma questão de cronologia – ou de anacronismo, como diz a dada altura Albertine, que Waddington quis pôr a falar sem ser pelas palavras de Marcel. Albertine, o Continente Celeste mistura, de facto, dois momentos diferentes: o do romance e o da leitura, feito à velocidade vertiginosa, e totalmente anti-contemplativa, dos anos Internet (e das “500 janelas abertas”). “O Proust interessava-se por todas as temáticas científicas. Imaginei que o material incrível que ele teria hoje para estudar seria um bom tema para uma soirée do tipo das que se faziam em casa dos Guermantes – como se o público tivesse o privilégio de fazer com ele uma viagem no tempo, a sua questão central. Não no formato regressão da memória via madalena proustiana, mas através das pontes Einstein-Rosen, ou wormholes, que de alguma forma já estavam naquele texto mesmo antes de terem sido descobertas”, explica.

Por impossibilidade prática, Albertine, o Continente Celeste não recupera todo o tempo perdido (e reencontrado) no romance de Proust: “Era impossível ir para aquele oceano, é grande de mais… O momento que aqui nos propomos reviver é a conversa que Marcel tem com Albertine quando ela está em casa dele, prisioneira – trata-se de tentar, a partir de uma pequena amostra, dar uma ideia da lógica formal do Em Busca do Tempo Perdido.” E de dar uma segunda (ou terceira, ou quarta, ou quinta) oportunidade a Albertine, “a figura mais importante na vida e na obra de Proust”: “Quando recorda essa última conversa, ele esquece-se de que ela também tem um ponto de vista sobre o que se passou. Neste espectáculo viramos o tabuleiro, viramos a perspectiva, para que Albertine possa ser não apenas o que dizem dela mas também o que ela diz de si.”

 


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