Dois galeristas, quatro escolhas

A galeria Jorge Welsh, especializada em porcelana chinesa de exportação, festeja os 30 anos com a exposição A Time and a Place. Pedimos aos antiquários Jorge Welsh e Luísa Vinhais que escolhessem quatro peças das 140 que mostram até 10 de Dezembro no n.º 43 da Rua da Misericórdia, em Lisboa.

Poncheira em porcelana decorada em grisalha e dourado. China, Dinastia Qing, período Qianlong (1736-1795)
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Poncheira em porcelana decorada em grisalha e dourado. China, Dinastia Qing, período Qianlong (1736-1795) Nuno Ferreira Santos
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Prato de porcelana famille rose. China, Dinastia Qing, período Qianlong (1736-1795) Nuno Ferreira Santos
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Poncheira em porcelana decorada com esmaltes da famille rose. China, Dinastia Qing, período Qianlong (1736-1795) Nuno Ferreira Santos
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Placa de porcelana decorada em grisalha. China, Dinastia Qing, período Qianlong (1736-1795) Nuno Ferreira Santos

Uma campanha de marketing em porcelana

Luísa Vinhais e Jorge Welsh referem-se a esta poncheira em tons de cinzento como uma “peça única” e um “óptimo exemplo” de como compensa ter uma equipa de investigadores a trabalhar para a sua galeria. Nela se pode ver o London Hospital, em Withechapel, e com ela se pode contar um pouco da história desta unidade de saúde que começou por ser uma enfermaria onde os mais pobres podiam procurar tratamento médico e se transformou no grande hospital-escola que é hoje.

“Foram os nossos investigadores [a Jorge Welsh Works of Art tem três na sua equipa] que encontraram a gravura que esta poncheira copia”, diz a galerista, precisando que se trata de uma obra de 1753, do gravador e pintor de paisagem William Bellers, que muito provavelmente se terá inspirado nos desenhos que lhe foram mostrados pelo arquitecto do edifício, Boulton Mainwaring. “Pensamos que Bellers não viu o edifício, mas os planos para o edifício, já que a gravura é de 1753 e o bloco central do hospital só ficou pronto em 1757 [só estaria totalmente construído dois anos mais tarde].”

Tenha visto ou não, certo é que esta peça teria sido encomendada aos artífices chineses, já que não era produzida em série. O mais curioso, acrescenta Luísa Vinhais, é que deve ter sido feita no âmbito de uma angariação de fundos destinada à conclusão das obras do hospital – “é uma operação de marketing do século XVIII e em forma de poncheira. Não se conhece outra no mundo.” Já foi vendida.

Roma num prato

Habituámos-nos a ver representações de Roma e de outras cidades europeias que eram paragem obrigatória do Grand Tour em pintura, gravura, desenho e, mais tarde, fotografia. Encontrar num prato de porcelana chinesa uma destas imagens que podia ter saído de uma obra encomendada por um qualquer aristocrata europeu durante o seu périplo por Itália e França no século XVIII já é mais inusitado, mas é precisamente o que acontece aqui.

Neste prato da dinastia Qing (período Quianlong, 1736-1795) vê-se uma série de edifício nas margens do Tibre, o rio que atravessa a capital italiana. À esquerda destaca-se a fachada clássica de um dos muitos palácios da cidade, ao centro a Basílica de S. Pedro, coração do Vaticano, e à direita um dos mais amados monumentos de Roma, o Castelo de Santo Ângelo, também conhecido como o mausoléu do mítico imperador Adriano, o mesmo que mandou construir a ponte que une as duas margens, e sob a qual parece impossível que uma das embarcações representadas neste prato venha alguma vez a passar (a esta ponte de Santo Ângelo faltam, claro, os maravilhosos anjos de Bernini).

Esta vista foi muito provavelmente inspirada numa gravura de 1760, de Antoine Basset, que por sua vez se deverá ter baseado noutra de 1690, de Peter Schenk.

“Ficámos muito contente quando encontrámos [este prato] porque, por regra, todas as peças chinesas que copiam o estilo de Meissen [fábrica alemã criada em 1709 que produz pela primeira vez porcelana na Europa] representam cenas imaginárias”, explica Luísa Vinhais. “Estes edifícios nós conhecemos - o lugar existe.”

Negócios em Cantão

Esta poncheira mostra uma série de entrepostos comerciais no porto de Cantão, no sul da China. A cena é marcada pela agitação no Rio das Pérolas, carregado de embarcações. “Diria que é ao pôr-do-sol por causa da cor das águas e do céu”, afirma a antiquária Luísa Vinhais. O tamanho dos edifícios – “nesta poncheira pode ver-se como estas feitorias cresceram num espaço curto, entre 1770 e 1778” – e a presença de tantos países é reflexo da importância de Cantão nos negócios que se faziam a Oriente.

Um símbolo de status

Aqui só vemos uma, mas na galeria de Jorge Welsh e Luísa Vinhais há duas. São em grisalha (em tons de cinzento), foram encontradas numa colecção de família na Suécia e imitam gravuras, não lhes faltando sequer uma legenda para que não restem dúvidas sobre os lugares que representam e a quem pertencem.

Nesta o que vemos é Chatsworth, no Derbyshire, q grande casa rural do duque de Devonshire, cuja propriedade é atravessada por um rio, vendo-se numa das margens, a mais próxima do observador, vários cavalos e cavaleiros, indispensáveis ao quotidiano da aristocracia inglesa.

“Este tipo de peças resulta de encomendas privadas da elite europeia”, diz Jorge Welsh, lembrando que havia um enorme fascínio pela porcelana, que só começa a ser fabricada no ocidente em 1708/1709. Placas como as que estavam à venda na galeria (já foram ambas compradas) fariam parte de uma série maior, embora não se conheça o paradeiro de outros exemplares, e eram penduradas na parede, como se de uma pintura se tratasse. “A porcelana é um símbolo de status no século XVIII. Ter uma placa destas na sala dizia muita coisa sobre o dono da casa. Encomendá-las estava ao alcance de muito poucos.”

Notícia alterada para corrigir as datas relativas à poncheira que representa o porto de Cantão

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