Documento de vida

Ciclo fechado, o ancião pode olhar em frente

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Esta tarde, 31 de Outubro, o Poets Inn acolhe no Porto “A Maioridade dos Dealema”, encontro especial entre banda e fãs, no qual será feita uma viagem visual e sonora pelo percurso de 18 anos da emblemática banda nortenha – cassete do histórico Expresso do Submundo incluída para oferta aos presentes. Toda a viagem, de certa forma, podia ser também acompanhada em Segundo o Ancião, o segundo álbum a solo de Mundo Segundo, editado este Verão.

É o álbum que, segundo palavras do próprio, fecha um ciclo na sua vida. É um álbum de memórias, onde autobiografia e olhar perante o mundo e suas mudanças se conjugam em tom melancólico. “A minha história é bem concreta / debaixo de chuva à procura de uma aberta / de uma porta entreaberta que me leve à direcção certa”, rima em “Tudo o que eu tenho”. Gravado ao longo de oito anos, é um documento do que foi e do que é a comunidade hip hop – as suas rotinas e a sociedade em que se inseriam, desde os sonhos de putos entre chutos na bola e jogos no Spectrum, à verdadeira descoberta do hip hop (“não existia DVD / só vinil e cassete”) e a confirmação deste como missão de vida. 

Com flow bem medido, elástico na forma como procura a cadência necessária para que as palavras ganhem a intensidade desejada; com uma produção que sabe ser clássica sem se prender num passado mitificado e surpreendente sem fugir à matriz (as teclas de Francisco Reis, por exemplo, dão fervilhar soul e calor vintage a estes temas ora encharcados em arranjos de cordas, ora deixando o piano cair em melancolia); com a colaboração na produção de Madkutz, DJ Guze ou Sam The Kid,Mundo Segundo cria um álbum que sabe ser retrato rico do back in the day, viagem à intimidade mais íntima (Cicatriz é desarmante) e resumo de uma atitude perante a vida e a criação musical – e tão mais poderoso quando relata e nos coloca no cenário sem tomar posição moral.

O barroquismo de Para além da morte (com a voz de Elisabete Silva), por um lado, e, por outro, o sentimentalismo de O homem + rico do mundo partilhado com Maze, seu companheiro nos Dealema (com direito a versão acústica como faixa extra), mostram, por sua vez, que as palavras de Maze soam mais certeiras quando a música nos encara olhos nos olhos, quando a verdade do que é dito corresponde ao ataque directo, sem máscara ou fantasia, do som que as acolhe. Segundo o Ancião são duas décadas ao serviço do hip hop (“sou mais uma formiga em prol do bem desta colónia”, ouvimos em Virtudes e defeitos) transformadas em dez temas partilhados com nomes como NBC, Dino de Santiago, Ana Lu, companheiro de Mundo Segundo nos Dealema. É um documento de vida. Ciclo fechado, o ancião pode olhar em frente. 

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