Um passeio pelo caos, outro pelas palavras que mudaram o mundo

A oitava edição do Festival das Artes leva a Coimbra uma conferência multimédia de Jorge Calado e um novo recital de Diogo Infante. Para o ano, inicia-se um novo ciclo.

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O pintor norte-americano Jackson Pollock é um dos "pioneiros do caos" que Jorge Calado abordará na sua conferência multimédia
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O mítico discurso de Martin Luther King está no alinhamento do novo recital de Diogo Infante, As Palavras que Mudaram a Humanidade AFP

“No princípio era o caos. Não havia nada porque nada fazia sentido”. Químico de formação, Jorge Calado parte deste conceito grego para lançar a conferência multimédia que o leva, no próximo dia 24 de Julho, à oitava edição do Festival das Artes, em Coimbra, onde falará sobre Os Pioneiros do Caos.

Numa viagem desde o início da civilização ao século XXI, sem seguir necessariamente uma lógica temporal linear, Jorge Calado estabelece pontes entre artes e ciência para levar o público naquele que é apresentado como um “passeio aleatório através dos tempos sobre o caos”. A apresentação é acompanhada por elementos de cinema, trechos de música e vídeo, conta o antigo professor catedrático do Instituto Superior Técnico, e recente Prémio Universidade de Lisboa 2016, ao PÚBLICO. “Tento ser provocatório e, às vezes, exagerar, para fazer passar a mensagem”, reconhece, mas esta técnica tem como objectivo “espevitar a imaginação de quem estiver a assistir”.

Se a palestra não segue uma ordem cronológica, Jorge Calado aponta alguns dos pioneiros do caos e situa-os no tempo: “Nos anos 50 do século passado, o caos foi usado na literatura, na música, na pintura e também na ciência. É daqueles casos raros na história do conhecimento e da criatividade em que há uma irmandade generalizada nas artes e nas ciências." Aquela foi a década da emergência do expressionismo abstracto de Pollock, dos livros em tudo subversivos de William S. Burroughs, da música absolutamente revolucionária de John Cage.

Recuando quase um século até à composição de Tristão e Isolda, de Richard Wagner, outro pioneiros do caos: “O chamado acorde de Tristão e Isolda, que depois não é resolvido." Da “fragmentação da escala musical” ao aparecimento do “silêncio em contraponto com o som”, o cientista vê nesta sequência “o início de uma certa modernidade”.

Antes e depois da conferência de Jorge Calado, passarão pelo Festival das Artes, que tem epicentro na Quinta das Lágrimas mas percorre vários pontos da cidade como o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha ou o Convento de São Francisco, orquestras como a Metropolitana de Lisboa ou Clássica do Centro, um ciclo de cinema programado por Pedro Mexia com autores como Werner Herzog e D. W. Griffith, num programa que vai das artes plásticas à gastronomia. E ao teatro, com Diogo Infante a levar ao anfiteatro Colina de Camões, na Quinta das Lágrimas, o recital Palavras que Mudaram a Humanidade. A encomenda da Fundação Inês de Castro, que organiza o Festival das Artes, surge no seguimento de uma outra colaboração do actor e encenador com o festival, em 2012.

Na próxima sexta-feira, 22, sob a direção de Natália Luiza e com dramaturgia de Maria João Rocha Afonso, Diogo Infante parte de sete discursos que ajudaram a “formar e a mudar as mentalidades” para explorar a “força das palavras”. “São discursos pioneiros na medida em que abrem caminhos e ditam novos comportamentos. São discursos marcantes, fracturantes, que reflectem um pouco da complexidade da natureza humana nas suas vertentes política, social e humanitária, ditos por pessoas cujo papel na sociedade tenha sido inspirador porque passaram por situações de ruptura ou limite”, explica o actor. Com enfoque nos séculos XX e XXI, os discursos de figuras como Martin Luther King ou Barack Obama – figuras “um pouco mais óbvias porque são incontornáveis”, conta o Diogo Infante – são alinhavados com “pequenos excertos de poesia”.

Fim de tempo

Sobre o tema para esta oitava edição, o presidente da direcção do Festival das Artes, José Miguel Júdice, volta a relacioná-lo com o momento do país. Se em 2015, apesar de reconhecer que não havia “grandes motivos para festejar”, o mote era Festa! (justamente para suscitar a celebração), este ano o Festival das Artes encontrou na palavra Pioneiros a linha condutora das duas semanas de programação.

“Em Portugal estamos num momento de fim de tempo”, explica Júdice. Para o advogado e empresário do sector turístico, é preciso “encontrar novas soluções” e, para tal “são precisos pioneiros, criadores, no sentido de pensarem e agirem fora da caixa”, tal como os artistas.

À semelhança dos anos anteriores, esta edição está divida em seis ciclos. Há o ciclo das artes de palco, o das artes plásticas, o do cinema, o das conferências, o da gastronomia, o da música e ainda o serviço educativo, destinado a um público mais novo. Para José Miguel Júdice, o festival combate a ideia de que “Coimbra está morta no Verão”. “É pura mentira”, afirma, exemplificando com concertos aos quais assistem 1500 espectadores. 

O orçamento está “um bocadinho abaixo” dos 150 mil euros do ano passado, “cerca de menos 7% a 10%”, diz, destacando que, sem o apoio dos mecenas, a realização do festival com a “qualidade exigível” não seria possível. Já em 2015 Júdice tinha destacado a redução de 20 mil euros em relação ao ano anterior. A verva atribuída ao festival pela Câmara Municipal de Coimbra (50 mil euros) mantém-se inalterada.

O presidente do festival e membro da fundação que o promove refere que, após a sua oitava edição, o festival vai ser alterado. Nada ainda de definido: “Vai iniciar um novo ciclo, vai ter modificações e novas ideias”, para “tentar renovar” o evento que tradicionalmente acontece na segunda quinzena de Julho. 

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