O presente é agora, o passado também

À décima edição, o Circular – Festival de Artes Performativas retoma experiências passadas, acrescentando uma adenda retrospectiva a um programa como sempre comprometido com a criação aqui, agora.

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Ikea das Rendas, de Alejandra Salinas e Aeron Bergman

Não lhes parece possível, mas "são mesmo dez anos" – alguns dos quais de resistência pura e dura, numa cidade, Vila do Conde, onde a palavra experimental não dizia grande coisa (artes performativas não ajudava muito...) e numa altura em que a 20 quilómetros, no Porto, o que antes parecia uma cena promissora definhava ostensivamente. "São, dizem eles por oposição a "foram", porque este passado inscreve-se no presente do Circular – Festival de Artes Performativas: através de um livro que documenta, para memória futura, dez anos de encomendas, e também de uma nova secção, Retrospectiva, que recupera experiências de edições anteriores encaixando-as numa agenda que não deixa de estar prioritariamente comprometida com a criação aqui, agora (e de que se destacam, além de Dub Love, o encontro desta noite entre o Drumming – Grupo de Percussão e os alunos da Academia de Música S. Pio X, Workers Union in a Popular Context Are Coming Together, e a nova peça de Luís Guerra, Trovoada).

Tal como as anteriores, a décima edição do Circular prolonga uma história que pela primeira vez – são os dez anos... – o festival decidiu organizar num livro. 10 Encomendas – Circular Festival de Artes Performativas é, por isso, tanto uma festa como uma forma de reafirmar ao que vem este projecto: "Fazemos um balanço no final de cada edição, mas os números redondos impõem outra solenidade. E como sempre considerámos premente a documentação do trabalho desenvolvido pelo festival, pareceu-nos que uma publicação que reunisse algumas das encomendas feitas a artistas nacionais e internacionais podia consolidar uma reflexão sobre o que faz a singularidade do Circular. Até porque muitas dessas encomendas resultaram em espectáculos ou objectos difíceis, se não mesmo impossíveis, de voltar a apresentar, o que as condenou a uma vida curta e indissociável do festival", explicam ao Ípsilon os directores do Circular, Dina Magalhães e Paulo Vasques. São os casos, por exemplo, de Neivasite-specific de André Guedes logo em 2005 (estava na moda...), das intervenções do artista plástico Francisco Tropa (a solo, em 2007, com Um Traço Sobre Um Muro; em parceria com Laurent Pichaud, em 2011, com Literal) ou do concerto que a dupla Calhau! preparou em 2010 com o Coro da Igreja Matriz de Vila do Conde, A Côrte d'Urubu, aqui fixado num CD. 

Editar o filme destes dez anos, sistematizando parte do que ficou para trás, tornou mais evidentes as intenções do Circular: "A singularidade do Circular começa pela terminologia, que na altura não era assim tão familiar, e que desde logo o afirmava como um espaço especialmente permeável à transdisciplinaridade. Sobretudo é um festival muito experimental, e que tem corrido os riscos inerentes à apresentação de espectáculos com imensa margem de erro, num meio apesar de tudo periférico como Vila do Conde", resume Paulo Vasques. Tem sido esse – continua a ser esse – o compromisso: não só apresentar, mas também fazer acontecer (via encomenda, via residências artísticas) criações de raiz, em muitos casos com artistas cuja presença no festival se vai repetindo. Desta vez, e também por efeito dos dez anos, a repetição foi ainda mais intencional e é por isso que há nesta edição um módulo (a Retrospectiva) especificamente destinado a resgatar momentos que os programadores consideram ser pertinente revisitar, como o filme Curso de Silêncio, rodado há sete anos por Miguel Gonçalves Mendes e Vera Mantero com um volumoso contingente de participantes locais (Teatro Municipal, 4 de Outubro), e a peça Ikea das Rendas, de Alejandra Salinas e Aeron Bergman, que puseram rendilheiras de Vila do Conde a executar artesanalmente um padrão industrial (Museu das Rendas de Bilros, até 31 de Outubro).

São duas das histórias destes dez anos, há outras. E um futuro, à frente do passado e do presente até 2014: "OIhando para trás, vemos o encerramento do Rivoli, o fim do Trama, Serralves a reduzir o sua actividade na área das artes performativas... Os nossos pares começaram a rarear e houve alturas em que nos sentimos quase sozinhos – o Porto foi, de facto, um deserto. Finalmente parece que voltam a aparecer parceiros com os quais podemos ter uma relação artística produtiva."

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