Descubra as diferenças
Ao falar dos conflitos de independência africanos dos anos 1970, Göran Hugo Olsson fala do que não mudou no mundo nos últimos 40 anos.
Se mais provas fossem necessárias do fervilhante laboratório formal em que o formato do documentário se tornou, aqui está o novo filme do sueco Göran Hugo Olsson para mostrar como é possível pegar nas imagens de época e nos arquivos noticiosos para os pôr a falar dos nossos dias.
Verdadeiro ensaio sobre a relação entre a história, a sociedade, a identidade e a política, A Respeito da Violência é no essencial um exercício de montagem de arquivos que prossegue o trabalho de “arqueologia” iniciado pelo cineasta com The Black Power Mixtape 1967-1975 (2011). Se naquele filme (ainda inédito entre nós) eram os movimentos do black power americano dos anos 1970 o centro, aqui são os conflitos de independência das colónias europeias em África que fornecem o tema, usando reportagens de época da televisão sueca realizadas em Angola, Rodésia (actual Zimbabwe), Libéria, Tanzânia, Moçambique e Guiné-Bissau, mais um “epílogo” no Burkina-Faso, “organizadas” em “nove cenas de auto-defesa anti-imperialista”.O que torna Concerning Violence bem mais do que um simples trabalho de redescoberta de arquivos é o dispositivo formal que recorre a uma das mais clássicas de todas as técnicas cinematográficas – a “teoria da montagem”, ou seja o modo como a sequenciação dos planos na montagem altera o significado. Olsson sobrepõe às imagens de época excertos da obra do pensador da Martinica Frantz Fanon Os Condenados da Terra - escritas em 1961, antes da maioria dos acontecimentos mostrados, mas sobrepostas às imagens em 2013, num momento em que conhecemos já o resultado da independência destes países – e lidas pela cantora Lauryn Hill.
A sobreposição recontextualiza estes conflitos anti-coloniais no seu momento histórico, social e político, mas propõe também um desafio ao espectador, como um “jogo das sete diferenças” entre passado e presente. As circunstâncias que atearam esses conflitos em cada país eram sintomas específicos, locais, de um mal-estar generalizado e abrangente, exemplificado em situações de inexplicável e aleatória injustiça geradas por uma cultura colonial condescendente e desinteressada na própria identidade dos países colonizados. Mas o dedo que as palavras de Fanon apontavam a uma civilização ocidental que acusava de moralmente falida e sem rumo, e ao seu capitalismo selvagem anti-humanista, mantém-se assustadoramente actual, num momento em que as questões raciais reemergem de modo preocupante por todo o mundo ocidental e muitos europeus continuam atolados numa crise financeira sem terra à vista. Entramos em A Respeito da Violência a pensar numa lição de história; saímos a pensar no futuro.