De Peter Brook para o V&A

O arquivo do maior encenador britânico vivo é agora uma peça de museu – correspondência com Tennessee Williams, Vivien Leigh e Samuel Beckett incluída.

Foto
Aos 89 anos, Peter Brook continua a trabalhar activamente

É uma espécie de museu particular (e vivo) de uma das figuras mais imponentes do teatro britânico contemporâneo: o arquivo de Peter Brook (Londres, 1925) começou a chegar esta semana ao Victoria & Albert Museum, que o adquiriu graças aos contributos do Heritage Lottery Fund e de um mecenas cuja identidade não foi revelada. São milhares e milhares de documentos pessoais, incluindo a correspondência trocada pelo encenador com colossos do século XX como os dramaturgos Samuel Beckkett, Tennessee Williams e Harold Pinter, os actores Vivien Leigh e Laurence Olivier ou o poeta Ted Hughes.

É através dessas cartas que ficamos a saber da indisponibilidade de Beckett para aceitar uma encomenda da Royal Opera House, que Brook dirigiu entre 1947 e 1950, ou da desilusão de Tennessee Williams com Elia Kazan (cenas da vida da Broadway dos anos 50: Kazan pede a Williams para reescrever todo o terceiro acto da sua Gata em Telhado de Zinco Quente, Williams jura que nunca mais se mete noutra). O episódio vem relatado numa carta de 1955, em que o dramaturgo americano responde ao pedido de Brooks para o ajudar com tudo o que puder ("Anote quaisquer pensamentos, comentários, ideias, reacções e críticas que lhe tenham passado pela cabeça a propósito da produção de Nova Iorque, do desempenho da peça em geral, das personagens, do contexto e por aí fora") na sua tarefa de encenar a mesma Gata em Telhado de Zinco Quente em Paris. "Sempre desejei ver uma peça minha encenada por si, e porei tudo de lado para apanhar um avião e vê-la se respeitar o meu terceiro acto tal como eu o concebi e escrevi originalmente. Não valerá a pena revê-la se não possuir a intensa honestidade que me parece ser a sua principal virtude."

Além das cerca de três mil cartas que a curadora do V&A para o departamento de Teatro e Performance, Kate Dorney, espera encontrar no acervo agora adquirido, há também diários, fotografias, notas de ensaios, primeiras versões de argumentos, desenhos e programas que documentam mais de meio século de intensíssima actividade artística – sobretudo no teatro, mas também no cinema (em 1963, por exemplo, Brook transformou em filme o romance O Deus das Moscas, de William Golding). O making of dessa e de outras das suas produções mais emblemáticas, como a ópera Salomé (1949), com cenários de Dalí, e a versão de Comédia Sexual numa Noite de Verão que montou para a Royal Shakespeare Company em 1970, estará em breve disponível para consulta nos gabinetes de leitura do museu londrino. Brook, que aos 89 anos continua a trabalhar activamente a partir do seu Théâtre des Bouffes du Nord, em Paris, não podia estar mais satisfeito com a perspectiva de ver o seu arquivo tornado "acessível a estudantes, investigadores, artistas e espectadores": "É importante para mim que estes documentos, que preservam a mais efémera das formas artísticas, sejam disponibilizados às futuras gerações de profissionais de teatro."

Sugerir correcção
Comentar