De Leonard Cohen a Philip Glass

Diante da única certeza na vida, ainda que incerta na data, o cantor e poeta canadiano baseou sempre a sua certeza na construção da dúvida e na reflexão diante da morte, que antes havia quase anunciado.

Uma pausa na espuma do quotidiano político que nos envolve. Entre o folhetim CGD (com uma Administração tipo pescada, que antes de o ser já o era…) e a novela OE, hoje escrevo sobre “tudo menos economia”. Sem mais. Da música, da vida, da sensibilidade. De Leonard Cohen ao minimalismo contemporâneo.

Leonard Cohen, agora em memória viva. Sereno diante das circunstâncias, sensível na sua obra, elegante no equilíbrio emocional, lento na sua pressa, congregador na diversidade, arrebatador na sua quietude, autêntico num meio de aparências, apóstolo do casamento entre ética e estética. Diante da única certeza na vida, ainda que incerta na data, o cantor e poeta canadiano baseou sempre a sua certeza na construção da dúvida e na reflexão diante da morte, que antes havia quase anunciado.

O tempo, essa inexorável medida da nossa existência, encarrega-se de nos aproximar do que já foi na ausência do que, às vezes, ainda é ou parece ser. A morte de Cohen fez-me juntá-la à (co)memoração de outros meus ícones musicais de menino e moço.

Em primeiro lugar, os falecidos Gilbert Bécaud e Jacques Brel. Restam agora Charles Aznavour e essa saudade do lado de lá do Atlântico que valia mais pela soma do que pelas parcelas, Simon and Garfunkel. Poderia, entre muitos, ainda falar da voz de água cristalina de Joan Baez ou da irreverência do agora Nobel da Literatura Bob Dylan.

Bécaud foi o intérprete musical mais generoso que conheci. Dava-se por completo, não poupava um miligrama de suor e trabalho ao que fazia, fundia-se nas qualidades de homem sensível, intérprete audaz, pantomina fulgurante, pianista talentoso. Com a sua imagem de marca, não cedia às modas do momento. A sua gravata às pintas ilustrava a sua irrequietude, paradoxalmente serena.

Nathalie foi o seu cartão de visita planetário. Nesta canção, Bécaud deu-nos, em quatro minutos, a expressão musicalmente talentosa da saudade, do desejo, do afecto, da memória, da alegria, da tristeza.

Jacques Brel, desaparecido tão prematuramente, foi um génio que até conseguiu fazer da sua Flandres, através de “Le plat pays qui est le mien”, um território paradisíaco. Assim como é impossível não continuar a clamar por Brel através de “Ne me quitte pas” ou de “Amsterdam”. A sua música vai direita à alma e aí ecoa serena e profundamente. É intemporal, eterna mesmo.

Esta minha viagem, reconheço que nostálgica, chega, nos dias de hoje, até à música minimalista contemporânea, de “fazer mais com menos”. Não toda, é certo. Entre os seus autores, elejo Philip Glass. Este sóbrio americano, agora septuagenário, tem sido o paradigma de uma música que alia, sem mácula, o sentido minimal do esteticamente puro com a sensibilidade de sons que dão às suas obras um imaginário poético.

O minimalismo de Glass atrai-me porque me deixa espaço para respirar. E é nesse meu espaço que redescubro sempre novas formas de sentir o que escuto. Aliás, é essa a grande atracção da corrente minimalista, que nos sugere ouvir diferente o que na forma é igual, porque a igualidade se mostra variável na recepção do nosso espírito. A repetição, essência do minimalismo, só o é na aparência do que nos é exterior. Tudo nele é circular, começa onde nós quisermos, termina onde determinarmos porque, em Glass, o princípio e o fim só existem na forma simples de quase não existirem.

Michael Nymann, Arvo Pärt, Górecki, John Adams, entre outros, são também notáveis compositores contemporâneos minimalistas que gosto de ouvir.

“Et maintenant?”, cantaria (diria) Bécaud se cá estivesse.

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