De Camané a Vhils, passando por Pessoa: a cultura portuguesa em passeio pelo Kennedy Center

De 3 a 24 de Março do próximo ano, o festival Iberian Suite: Arts Remix Across Continents leva a Washington uma amostra da criação nacional.

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O street artist Alexandre Farto, aka Vhils, fará um retrato de Pessoa com páginas dos seus livros nas paredes do Kennedy Center José Maria Ferreira

Acontecerá em Washington, portanto falemos a língua local: Camané e Carminho vão ter um blind date com a National Symphony Orchestra. O encontro imediato de duas das mais portentosas vozes da nova geração do fado com a orquestra residente do John F. Kennedy Center for the Performing Arts é talvez a grande cereja portuguesa no topo da temporada ibero-americana que ocupará o Kennedy Center entre 3 e 24 de Março do próximo ano.

 Mas o programa do festival Iberian Suite: Arts Remix Across Continents, que pretende funcionar como uma grande janela aberta sobre a diversidade das culturas de língua portuguesa e espanhola espalhadas pelo mundo, vai muito para além do fado, estendendo-se ao teatro e à literatura, às artes visuais e à dança. É todo um novo mundo à atenção do público americano, disse ao Washington Post a curadora do festival e vice-presidente do Kennedy Center para as áreas da dança e da programação internacional, Alicia Adams, que desafia os espectadores a esperarem "o inesperado".

Além de Carminho e Camané, que se cruzarão com a National Symphony Orchestra, dirigida pelo maestro Jesús López-Cobos, num programa de transição entre o fado e obras de dois compositores espanhóis (as Danzas Fantásticas de Joaquín Turina e a Suite Iberia de Isaac Albéniz), outros músicos portugueses passarão durante as três semanas do festival pelos vários palcos do Kennedy Center: Rodrigo Leão, The Gift, António Zambujo, Sofia Ribeiro e Luísa Sobral, a que se juntam, cumprindo a ambição de propor um roteiro mais abrangente da lusofonia, a cantora cabo-verdiana Carmen Souza e o saxofonista moçambicano Moreira Chonguiça.

As relações naturais das culturas portuguesa e espanhola com o resto do mundo, via colonização e via diáspora, são aliás um dos eixos do festival, que parte da Península Ibérica para descobrir a dança brasileira e o tango argentino, a tradição oral cabo-verdiana e o repertório coral do período colonial que a Bolívia preservou mais exemplarmente do que outros territórios da América Latina. "Comecei por focar-me na Península Ibérica, mas à medida que ia explorando percebi que seria importante unir os pontos, para mostrar todas as interligações destas culturas. E a mistura, a troca, a maneira como estas culturas vão e vêm, vêm e vão",explica Alicia Adams. É assim que o trabalho sobre a lusofonia que uma companhia como o Teatro Meridional vem desenvolvendo encaixa em Iberian Suite (a companhia de Miguel Seabra e Natália Luiza leva a Washington o capítulo cabo-verdiano dos seus Contos em Viagem) e que o encontro da Mala Voadora com o colectivo britânico Third Angel (What I heard about the world) encontra o seu lugar no programa. Mas haverá mais teatro português em Washington: uma double bill de espectáculos da Mundo Perfeito de Tiago Rodrigues, o recém-nomeado novo director do Teatro Nacional D. Maria II (Três Dedos Abaixo do Joelho e By Heart), e a Ode Marítima de Álvaro de Campos num one-man show de Diogo Infante. Na dança, apenas uma escolha: Fado, Rituals and Shadows, que Vasco Wellenkamp criou para a sua Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo.

A literatura portuguesa, sobretudo aquela que se escreveu com e depois de Saramago, será outro dos acontecimentos de Iberian Suite; o programa inclui um tributo ao Prémio Nobel de 1998 e um debate com a participação dos escritores Afonso Cruz, José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares e Dulce Maria Cardoso. Mas também haverá Fernando Pessoa, dentro do festival e também à margem dele: o street artist Alexandre Farto, aka Vhils, fará um retrato do escritor com páginas dos seus livros nas paredes do Kennedy Center e, noutra ponta da cidade, a Biblioteca do Congresso acolherá um programa de divulgação da obra do maior poeta português do século XX, com curadoria de Richard Zenith. 

Efeito multiplicador
Para o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, a ida de Fernando Pessoa à Biblioteca do Congresso é o melhor exemplo do efeito multiplicador que um acontecimento como o Iberian Suite pode ter para a internacionalização da cultura contemporânea portuguesa. "Aproveitando a visibilidade especial que o festival dará a Portugal, conseguimos articular com a Caixa Geral de Depósitos um programa em torno de Fernando Pessoa que acontecerá nas mesmas datas. Acreditamos que será possível agregar outras iniciativas paralelas como estas à programação do Iberian Suite", disse ao PÚBLICO, acrescentando que o Governo português vê com entusiasmo a presença portuguesa no grande festival bienal de "um dos mais importantes centros culturais" do continente americano – uma presença que a Secretaria de Estado da Cultura de resto financia com 150 mil euros, reforçados com mais 50 mil euros do Instituto Camões (um "pequeno contributo", num orçamento global que ultrapassa os dois milhões de euros).

"Para as artes contemporâneas portuguesas, a projecção nos EUA, que ao longo das últimas décadas tem sido um dos territórios mais difíceis de penetrar, é extremamente importante. A nossa participação financeira no festival é um reconhecimento da importância desta operação, mas esta não será a única presença internacional que teremos em 2015, ano em que, além da Bienal de Veneza, a cultura portuguesa também estará no Rio de Janeiro, integrando as comemorações dos 450 anos da cidade", adiantou ainda Jorge Barreto Xavier.


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