De Bruxelas, o desespero

Na segunda-feira passada, o semanário alemão Die Zeit publicou na sua edição online um artigo sobre “a salada de metáforas da crise”. Fazendo uma análise das mais recorrentes (exactamente as mesmas que circulam por cá, sinal de que os estereótipos são o bem mais partilhado do mundo), o autor do artigo afirma que a linguagem da actual crise europeia diz muito menos sobre a Grécia do que sobre o estado de espírito da política alemã. Transpondo esta verificação para Portugal, poderíamos dizer com a mesma propriedade: sobre um fundo grego onde mal se viam os contornos da Praça Sintagma, quanto mais o território helénico, montou-se um palco onde se debitou mais ideologia nas últimas semanas do que as metáforas produzidas num dia de mercado. Se nos limitarmos a esta torrente imparável da “opinião”, enchemo-nos de convicção de que sabemos tudo; se começarmos a atravessá-la como quem navega num mar de escolhos, embora não cheguemos a nenhum lugar seguro, percebemos pelo menos como é ilusório o tudo que julgávamos saber. Se ao menos Cavaco Silva estivesse pura e simplesmente a fazer uma conta de diminuir quando disse: “Espero que a Grécia não saia, mas se sair ficam 18 países”, o nosso Mr. Chance teria a possibilidade de ser interpretado como a voz mais sábia e esotérica do coro. Mas, analisada de trás para a frente e vice-versa, a frase é do mais fanérico que há e podia muito bem ser reduzida a um título singelo e presidencial: “Eu e a Grécia”. Desta linguagem metafórica, emerge com frequência a ideia de culpa, associada aos conceitos de absolvição/pena, responsabilidade/irresponsabilidade, mostrando uma sobreposição de categorias éticas e jurídicas, de categorias jurídicas e teológicas. Seria esta uma boa ocasião para ler Carl Schmitt, um texto sobre “culpa e modos de culpa”, onde o jurista alemão expôs as dificuldades em definir a culpa em termos jurídicos: “O problema da culpa é, de todos os pontos de vista, um problema metalegal, no sentido em que não diz respeito ao direito penal positivo”. Perante o que se está a passar, todos, à direita e à esquerda, parecem temer a “catástrofe” e preferir soluções de compromisso, mesmo sabendo que isso significa a continuação de uma paz podre numa Europa que todos criticam. A verdadeira catástrofe, disse um conhecido filósofo que foi apanhado pela mais forte tragédia da história europeia do século XX, é que as coisas continuem a ser como sempre foram. A opção salvífica: em vez da continuidade, a cesura; em vez da satisfação com esperanças ocas, a coragem de um desespero; em vez do medo dos escombros, a alegria por surgir um caminho que os atravessa. O cúmulo do desespero é quando se desiste de explorar possibilidades radicalmente novas. É dessa tradição catastrófica, da eterna repetição do mesmo, que vêm os apelos aos “grandes homens” e aos “grandes povos” que faltam, dizem-nos, como se não tivesse sido sempre um desastre a vinda de “heróis” em falta. Enquanto toda a atenção estava concentrada nas cimeiras europeias, Obama fazia um discurso em louvor do reverendo Pinckney, uma das nove pessoas atingidas mortalmente pelo jovem racista que entrou numa igreja metodista em Charleston. É um discurso notável, improvisado ao longo de mais de trinta minutos, em que o Presidente dos Estados Unidos acaba por cantar, inesperadamente, o Amazing Grace. Se um só dirigente europeu fosse capaz de recitar, numa cimeira, a “Ode à Alegria”, Schiller erguia-se do túmulo e toda a Europa, de Weimar para leste e para Oeste, retomava a sua “tarefa infinita”.

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