Cristobal And The Sea: uma brisa tropical na Europa

Nasceram em Londres, são formados por um português, um espanhol, uma francesa e um inglês e definem-se como "Tropicália pop". Prometem muito. Este sábado, no Musicbox, em Lisboa.

Foto
Ed Ashctroft

Cristobal vem de Cristovão Colombo. “Sea” é literalmente o que o significa a palavra inglesa, o mar. Assim sendo, se Cristobal And The Sea é nome de banda, então essa será intrépida e aventureira, navegando pelo desconhecido em busca de terra firme. Será? Não exactamente. Os Cristobal And The Sea, nascidos em Londres, lembraram-se do europeu que atracou nas Caraíbas em 1492 pela incerteza quanto à sua proveniência. Está convencionado que nasceu genovês, mas há quem o defenda português ou espanhol. Ora, os Cristobal And The Sea sentem-se representados nessa diversidade. No caso deles, porém, não há dúvidas a registar. São uma banda sedeada em Londres. E são formados por um português, um espanhol, uma francesa e um inglês.

Na verdade, a ideia de procura de outras terras, por outros mares, assenta-lhes bem. É o que nos diz o EP de estreia, Peach Bells, definido pelos próprios como “tropicalia pop” (ouvindo-o percebe-se porquê). Foi editado no final do ano passado e transformou-os numa das bandas a seguir com atenção em 2015. Este sábado, os Cristobal And The Sea estreiam-se em Portugal com um concerto no Musicbox, numa noite que contará também com o DJ set do duo inglês Mount Kimbie e, depois deles, dos Gala Drop (24h, 10€). Depois do concerto, a banda continuará por cá durante três semanas. Não para turismo, antes para gravar nos estúdios Namouche aquele que será o seu o álbum de estreia.

É o guitarrista João Seixas que nos conta da estadia prolongada em Lisboa da sua banda. João nasceu no Luxemburgo, foi estudar aos 17 anos para Inglaterra, onde cursou Filosofia. Nunca viveu permanentemente em Portugal mas, entre férias e festividades, conta ter-se habituado a passar no país “quase metade do ano”. Foi aqui que aprendeu a tocar guitarra - o responsável foi um tio apaixonado por bossa-nova. Imaginamos que, depois de gravado o álbum, João tenha menos tempo para passar cá quase metade do ano. Peach Bells promete muito. Vai dar-lhe muito trabalho.

Estranhamente cativante, esta música. Tem o doce sopro da flauta não só a pontuar como, logo a início, em The garden, a comandar a melodia (e eis um novo Sérgio Mendes, regressado para evangelizar o underground). Tem acordes de guitarra a “psicadelizar” a bossa-nova, electrificando-a, ou harmonias vocais que conjugam a carga etérea dos Grizzly Bear com visões da sempre inspiradora Califórnia folk-rock da década de 1960 – ou uma canção, intitulada My love (ay ay ay), que podemos descrever em caricatura como um Devendra Banhart que nunca abandonou a América do Sul a montar um festim dançante para os Animal Collective, visitantes do Norte (a música, asseguramos, é melhor que a caricatura).

Peach Bells EP contém música poliglota que fala de “violet tears” e “pica-flores” na mesma canção – que se chama precisamente Violet tear e que soa a preciosa contribuição póstuma para a Tropicália de Caetano, Gil e Mutantes. Música elegante, deliciosamente escapista, delicadamente bamboleante. Um psicadelismo, pegando no termo utilizado pela própria banda, efusivo e sem reverências. O quarteto que, através do guitarrista português, diz ter no panteão comum nomes como Arthur Russell, Ricardo Villalobos, J Dilla ou o nigeriano Peter Abdul, procura realmente inculcar na sua música propriedades psicadélicas, mas olha com alguma desconfiança para a multiplicação de citações do termo a que temos assistido no último par de anos. “A maior parte do psicadelismo de hoje é um psicadelismo nostálgico, o que é totalmente diferente do que era originalmente. Era a música do futuro, era um corte, era usar a tecnologia para criar um som novo. Agora, todas as bandas psicadélicas tentam soar aos anos 1960, o que é um pouco contraditório”, aponta. Disso estarão ilibados. Estes anos 1960 sul-americanos e norte-americanos, folk tropicalistas, que criaram no EP de estreia, ano 2014, nunca existiram. A nostalgia não mora aqui.

Os Cristobal And The Sea nasceram na Universidade. Foi nela, a de Loughborough, que João conheceu o espanhol Alejandro Romero e a corsa Leïla Séguin. “Não tínhamos uma ideia prévia. Também não tínhamos muitos instrumentos, só guitarras acústicas e a flauta da Leïla, por isso a música que tocávamos no início era muito influenciada pela bossa-nova”, explica João Seixas. Entretanto descobriram um baterista, o inglês Josh Oldershaw, e mudaram-se para Londres.

Num dormitório de uma universidade londrina, quatro músicos navegaram pela música que inventavam sem chamar a atenção. “Os dormitórios aqui em Inglaterra são muito barulhentos. Não há quase respeito nenhum pelo vizinho do lado”, conta João com uma gargalhada. Que a música solar dos Cristobal & The Sea pareça tão distante da fria e habitualmente enublada Londres não é um acaso. É, de certa forma, consequência. “A vida aqui é um bocado caótica. Mesmo que não se tenha nada para fazer, não descontraímos totalmente. Saímos à rua e ficamos logo nervosos. Em Londres, há sempre a tendência para tentar escapar”.

Gravado com o produtor Rusty Santos (Animal Collective, Grizzly Bear ou Vashty Bunyan), o EP tentou captar em dimensão pop a música que fluía livremente dos ensaios. “Posso dizer que acreditamos muito na intuição, mas isso se calhar é uma desculpa para sermos preguiçosos”, graceja João Seixas. O que pretende ilustrar é como o processo de gravação consistiu em encontrar um caminho que desse sentido, num disco, ao “caos produtivo” a que se entregam nos ensaios.

No Musicbox, ouviremos a versão não editada dos Cristobal And The Sea. Quatro europeus a imaginarem uma brisa tropical a varrer o velho continente. A banda à solta com as canções que, explica João Seixas, em palco prolongam-se por secções instrumentais mais densas e que se demoram pelos ambientes que o palco e o público dirão ser o indicado para o momento. Os Cristobal And The Sea já não estão no dormitório da universidade. Não querem escapar sozinhos. Balancemos com eles. Temos tudo a ganhar.

Sugerir correcção
Comentar