Combate de cães e gatos pela alma do IndieLisboa

À 12ª edição, o festival é resultado de uma “democracia mais partilhada”. Vários programam e querem deixar marca. Resultado a ser apresentado esta terça-feira na Culturgest

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My BBY 8L3W, feita a partir de clips do Youtube em que mulheres acariciam os seus cães e gatos
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Sivas, do turco Kaan Mujdeci: o animal feroz é o miúdo
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Melbourne, de Nima Javidi, a história de um casal iraniano de partida para Melbourne (ele é interpretado por Peyman Moaadi, o actor de Uma Separação) quando algo de terrível acontece e vem marcar as suas próximas horas
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Une jeunesse Allemande, de Jean-Gabriel Périot, conta, a partir de imagens de arquivo, a fúria contestatária e revolucionária que varreu a RFA dos anos 70 através do destino dos membros do Baader-Meinhof.
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Fassbinder – To Love Without Demands, de Christian Braad Thomsen
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A versão director’s cut de Rabo de Peixe, de Joaquim Pinto e Nuno Leonel
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A Toca do Lobo, de Catarina Mourão, histórias ou segredos familiares
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Um actor porno em momento de explicação aos filhos sobre o que faz na vida: "Fils de/What’s Your Job Daddy?" de HPG, ou seja, Herve-Pierre Gustave, porn star

À 12ª edição, a democracia, na programação do IndieLisboa, festival que se quer “de programador”, “não monolítico”, passou a ser “mais partilhada”. Há dois directores-programadores, Nuno Sena e Miguel Valverde, mas há sobretudo um colectivo, gente mais velha e mais nova, a escolher filmes, oito no caso das curtas-metragens, cinco no caso das longas. É preciso que todos façam o gosto.

Sobre os índices de beligerância nada sabemos, mas Miguel Valverde conta que não dava nada pela insistência, de um dos colegas, sobre a curta My BBY 8L3W, feita a partir de clips do Youtube em que mulheres acariciam os seus cães e gatos, e são por eles acariciadas, e hoje está satisfeito por ter vencido as suas resistências.

Os directores, que esta terça-feira apresentam a programação do festival que se realiza de 23 de Abril a 3 de Maio, falam do Indie como coisa de família, e uma família que se alargou. “Algo que já não está no plano estrito do trabalho” (Nuno Sena). É preciso que fiquem marcas.

Um filme passa a estar ligado à biografia de um programador – para depois poder estar ligado à biografia de um espectador. Onde estavas quando...? Por exemplo, onde estavas quando as secções Pulsar do Mundo, Cinema Emergente e Observatório desapareceram para dar lugar, como nesta edição, a Silvestre (que se quer bravia, não fosse o título inspirado no independente João César Monteiro)? É o pedaço rebelde na programação, sem distinguir géneros e gerações. Contem com o tal filme das carícias a cães e gatos, com Le Paradis, de Alain Cavalier, com Alex Ross Perry ou Eugène Green, ou com um foco (12 filmes) sobre Jan Soldat, que documenta os rituais de domínio e submissão do fetichismo e do sadomasoquismo.

Para vampiros, actores porno em momento de explicação aos filhos sobre o que fazem na vida (Fils de/What’s Your Job Daddy? de HPG, Herve-Pierre Gustave, porn star) e filmes sem medo do mau gosto ou com intenções fracturantes, foi criada, também este ano, a Boca do Inferno. Nuno Sena diz que um dos filmes que ajudará a definir a secção é The Duke of Burgundy, de Peter Strickland, com os seus jogos de poder e submissão que levaram alguns a falar num cruzamento entre o Persona de Bergman e o “erotismo de arte e ensaio” de Walerian Borowczyk.

Um filme só com mulheres e borboletas, para ver como os outros desta secção à meia-noite, hora em que se vai descer às caves de Im Keller, de Ulrich Seidl – continuação da aventura do austríaco pela (nossa) solidão, pela (nossa) vida, pela verdade que está por baixo da norma social. Sessões da meia-noite porquê? Os programadores já se deram conta de que as sessões da tarde são difíceis em termos de público, que à noite os espectadores têm mais disponibilidade e por isso testam este ano a apetência e o risco de quem cruza a noite – sessões a programar no cinema Ideal, na fronteira com os bares do Bairro Alto,

Resultado de uma democracia alargada, as escolhas do Indie podem permitir oposições. Por exemplo, entre uma versão mais confortável a que o festival regressa depois de ter esticado a corda no ano passado – algo que Nuno Sena vê, nesta edição, ligado à ficção e aos Heróis Independentes, que são Mia Hansen-Love, francesa, 34 anos, e Whit Stillman, norte-americano, 63, que assumem a tradição de trabalho com actores e de carpintaria de argumento – e uma versão de algo ainda em construção.

É como se fosse um antídoto: os documentários ou aqueles filmes em que o real se infiltra na ficção causando danos na estabilidade do formato. Na competição internacional, serão exemplos disso Melbourne, de Nima Javidi, a história de um casal iraniano de partida para Melbourne (ele é interpretado por Peyman Moaadi, o actor de Uma Separação) quando algo de terrível acontece e vem marcar as suas próximas horas; Ming of Harlem: Twenty One Storeys in the Air, de Phillip Warnell, outra interacção entre humanos e animais, com a verdadeira história de um homem que vivia no seu apartamento em Harlem com um tigre e um crocodilo; Sivas, do turco Kaan Mujdeci (Prémio Especial do Júri em Veneza), de novo com animais (cães) e sem querer saber qual o momento em que o documentário passa a ser ficção ou em que a ficção se alimenta do documentário, só se interessando pelo pacto com as pessoas que filma: Kaan Mujdeci deixa-se levar pela teia que organiza um miúdo para se afirmar e ao seu cão de combate na arena social (ele é que é afinal o animal feroz); Ela Volta na Quinta, do brasileiro André Novais de Oliveira, que ficciona o seu filme caseiro; ou Une jeunesse Allemande, de Jean-Gabriel Périot, que, a partir de imagens de arquivo, conta a fúria contestatária e revolucionária que varreu a RFA dos anos 70 através do destino dos membros do Baader-Meinhof. “É como uma cápsula de tempo”, testemunha Nuno Sena, “mas um filme que parecendo falar do passado dá conta de um racalcado que está a voltar, o político, a relação entre o cinema e a política”.

Na competição nacional, André Santos e Marco Leão, André Ruivo, Manuel Mozos, Filipa Reis e João Miller Guerra,
João Pedro Rodrigues ou Jorge Pelicano apresentam novas curtas. Nas longas, há quatro títulos, e os directores agrupam-nos dois a dois: Gipsofila, de Margarida Leitão, e A Toca do Lobo, de Catarina Mourão, expõem histórias ou segredos familiares - assim as realizadoras se expondo; Os Olhos de André, de António Borges Correia, e Uma Rapariga da Sua Idade, de Márcio Laranjeira, encenam a catarse dos seus realizadores, que ficcionam as suas próprias vidas.

Director’s Cut, ou uma programação que tem a memória do cinema como sua matéria-prima, apresentará Fassbinder – To Love Without Demands, de Christian Braad Thomsen; Flowers of Taipei – Taiwan New Cinema, de Chinlin Hsieh, tributo a esse movimento silencioso, lento e nostálgico de uma busca identitária que ficou conhecido como Nova Vaga de Taiwan; a versão director’s cut de Rabo de Peixe, de Joaquim Pinto e Nuno Leonel ou um documentário em que se vê Ulrich Seidl a trabalhar sobre o seu filme das caves austríacas.

A abertura será feita com Capitão Falcão, de João Leitão, realizador da televisão que se estreia na longa de ficção. É um arranque do Indie em português e em tom de farsa – as aventuras de um super-herói ultra-patriota e ultra-idiota na sua luta incansável contra os inimigos do Estado Novo, filme que chegará às salas logo de seguida.

A encerrar, “um filmão”, segundo Sena, Force Majeure, de Ruben Östlund, bisturi a cruzar a placidez de uma família em férias na neve. Uma Sessão Especial na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, a 29 de Abril, mostrará Concerning Violence, de Göran Olsson, documentário sobre a história do racismo e do colonialismo europeu (também português, portanto) no continente africano.

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