Música em São Roque aposta no repertório português

Entre 17 de Outubro e 8 de Novembro será possível escutar intérpretes como os ensembles Bonne Corde, MPMP, Vozes Alfonsinas, Officium e Capela Duriensis, as sopranos Ana Barros e Dora Rodrigues e o pianista António Rosado

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Ensemble Bonne Corde

A 27ª edição da temporada Música em São Roque, promovida pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), inicia-se hoje às 21h com um concerto pelo Coro Gulbenkian, sob a direcção de Michel Corboz, dedicado aos motetes de Bach. Um programa de abertura apelativo, que constitui uma excepção ao principal fio condutor deste ciclo de 12 concertos que irá decorrer até 8 de Novembro e que se irá centrar sobretudo na música portuguesa desde o século XVI até à actualidade.

“Os repertórios e os intérpretes portugueses sempre foram uma das nossas apostas, mas este é o programa com maior representatividade de música portuguesa composta ao longo dos últimos 500 anos”, disse ao Público o maestro Filipe Carvalheiro, director artístico da temporada. Esse percurso de cinco séculos estende-se desde a polifonia renascentista ao século XXI, com duas obras em estreia absoluta integradas no recital Palavras Oníricas: o surrealismo português (dia 19, no Museu de São Roque), a cargo da soprano Ana Barros e da pianista Isabel Sá: Cinco Poemas de Mário Cesariny, de Sérgio Azevedo,  e Ditirambo, de Eduardo Luiz Ayres de Abreu. No mesmo programa figuram ainda canções de António Pinho Vargas sobre poemas de António Ramos Rosa e Albano Martins.

Os solistas e os agrupamentos participantes foram selecionados entre um total de 68 candidaturas submetidas on-line tendo em atenção, para além da valorização da música portuguesa, critérios como “a adequação das propostas à estrutura da temporada e aos emblemáticos locais do património arquitectónico e artístico da SCML”, nomeadamente a Igreja e o Museu de São Roque, o Mosteiro de Santos-o-Novo e o Convento de São Pedro de Alcântara. Estes espaços serão, como é habitual, objecto de visitas guiadas antes dos concertos, as quais contemplam também a exposição De Roma para Lisboa: Um Álbum para o Rei Magnânimo. Segundo Filipe Carvalheiro, “o curriculum dos músicos e o historial das suas apresentações prévias, assim como as propostas com experiências acrescidas (por exemplo comentários às obras pelos intervenientes ou relações com outras artes) foram também factores de peso na escolha.”

Uma novidade desta edição são os ateliers lúdico-pedagógicos para crianças que irão decorrer paralelamente aos concertos. “O objetivo é permitir aos jovens pais assistir aos concertos, enquanto as crianças participam em actividades relacionadas com o universo musical, assim como captar novos públicos”, referiu Carvalheiro. Ligado à direcção artística da temporada Música em São Roque desde o início, o maestro faz um balanço positivo e salienta algumas mudanças sentidas nos últimos anos. “Princípios de base como a associação da divulgação musical à divulgação do património da SCML permanecem, mas são notórias várias transformações da vida musical, que antes era menos estruturada. Hoje muitos intérpretes já planeiam as suas actividades a três anos.”  Mas os aspectos mais relevantes ligam-se com a crescente qualidade dos jovens intérpretes e com “os avanços da Musicologia nos últimos 10 anos no âmbito da recuperação de repertórios que estavam adormecidos nas prateleiras das bibliotecas e arquivos e que agora podemos divulgar a um público mais amplo.”

O concerto de amanhã (dia 18, às 16h30) na Igreja do Convento de São Pedro de Alcântara é um desses exemplos. O Ensemble Bonne Corde, dirigido pela violoncelista Diana Vinagre, com as sopranos Ana Quintans e Eduarda Melo, interpretam o programa O Classicismo na Patriarcal: música sacra portuguesa nos finais do século XVIII, com várias estreias modernas de obras que ilustram práticas características da Capela Patriarcal de Lisboa, nomeadamente composições vocais acompanhadas por um conjunto pouco usual formado por dois violoncelos, dois fagotes, contrabaixo e órgão, da autoria de António Joaquim Miranda, António da Silva Gomes e Oliveira e José do Espírito Santo e Oliveira. Peças instrumentais de Mozart, Pleyel, Stefano Galeotti e Etienne Ozi, cuja música também circulava em Lisboa na época em espaços sacros e profanos, completam o programa.

Durante muito tempo em segundo plano na agenda dos investigadores, a música portuguesa do século XIX tem sido objecto de um renovado interesse nos últimos tempos, patente na estreia moderna pelo Ensemble MPMP (Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa) das Missas de Francisco António Norberto dos Santos Pinto (1815- 1860) e de Francisco Freitas Gazul (1842-1925), às quais se junta a Petite messe pas solennelle, de Eurico Carrapatoso (n. 1962) no concerto do dia 23. Um outro programa resultante de uma aprofundada pesquisa musicológica terá lugar no dia 24, com o grupo Vozes Alfonsinas, dirigido por Manuel Pedro Ferreira. Sob o título Música em Lisboa, 1536, pretende revisitar repertório, até há pouco inédito, da Capela Real e da Sé de Lisboa, combinando-o com canções profanas e peças instrumentais que circulavam na corte de D. João III.

A polifonia dos séculos XVI e XVII estará em destaque nos concertos da Capella Duriensis, com obras de Frei Manuel Cardoso, Filipe de Magalhães e Lourenço Rebelo (dia 30) e do Officium Ensemble, que apresenta o programa Et ecce terra motus – A Terra Tremeu, com música de Duarte Lobo, Lopes Morago, Francisco Martins e Estevão de Brito, entre outros (1 de Novembro) e o repertório do século XX encontra-se representado por L’Effetto Ensemble (dia 25), formado pela soprano Dora Rodrigues e pelo guitarrista Rui Gama, que interpretam canções de Granados, Ginastera, Guastavino, António Fragoso, Paulo Bastos e Rui Soares da Costa (dia 25) e por António Rosado que dedica um recital à exigente produção pianística de Fernando Lopes-Graça (dia 31). A temporada conta ainda com a participação da Orquestra Metropolitana (dia 6), da Escola de Música de Nossa Senhora do Cabo e da Escola Superior de Música de Lisboa (dia 8).

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