Chuva, cama e livros

Quando chove e está frio, não há nada como passar a tarde na cama, debaixo de lençóis lavados e cobertores pesados, a ler e a adormecer, com a chuva e os livros a meterem-se pelos nossos meios-sonhos.

Tínhamos acordado às cinco da manhã com a ansiedade de ler as últimas páginas do terceiro romance da tetralogia napolitana de Elena Ferrante. Tomámos o pequeno-almoço às seis e às sete já estávamos de volta da Lila e da Lenú, acelerando até ao fim porque, tal como os romances anteriores, a autora consegue que o plano narrativo vá descendo até estar quase a pique, depositando-nos no chão das últimas palavras depois da queda livre de um escorrega de surpresas.

Às oito da manhã, boquiabertos mas esfaimados – a escorreita tradução inglesa do quarto e final volume só estará disponível em Novembro de 2015 –, lá fizemos o download do original, Storia della bambina perduta. Laura Fortini, no diário comunista Il Manifesto, elogiou "il coraggio geniale" do novo livro de Ferrante.

Lido em italiano, sem a cábula de Ann Goldstein, é preciso parar amiúde para ir ao dicionário, mas, passadas as primeiras páginas, aquela língua que é filha da mesma mãe latina parece já nos estar escrita chomskianamente nos nossos cérebros nascituros. Ajuda muito ler em voz alta e a duas vozes, com duas cabeças cantantes a decifrar.

Chegámos a um décimo e, reconfortados com a qualidade e a excitação do romance novinho, adormecemos. Mais dia e livro esperavam por nós.

Sugerir correcção
Comentar