Cantares ao desafio querem ser património da humanidade

Depois do fado e do cante alentejano, é agora a vez de os cantares ao desafio minhotos serem classificados, defende a autarquia de Vila Verde, que está já a preparar a candidatura à UNESCO.

Foto
A tradição dos cantares ao desafio continua viva não só no Norte de Portugal como na diáspora MANUEL ROBERTO

A Câmara de Vila Verde, no distrito de Braga, está empenhada em candidatar os cantares ao desafio minhotos a Património Imaterial da Humanidade. O projecto ainda está em embrião, mas o presidente da Câmara de Vila Verde, o social-democrata António Vilela, mostra-se confiante de que a candidatura irá ter êxito e que, depois do fado e do cante alentejano, a UNESCO irá mesmo consagrar a tradição do cantar ao desafio, cujas raízes remontarão às tenções dos trovadores medievais galaico-portugueses, espécie de duelos líricos, geralmente de escárnio e maldizer.

A sugestão de candidatar os cantares ao desafio partiu de Carlos Silva, do grupo de comunicação e publicidade Ideia Cinco, proprietário do jornal O Vilaverdense. “Nos jornais e nas rádios mantemos contactos regulares com os cantores populares, e foi daí que surgiu a ideia”, explica. “Estamos na génese disto, mas para a candidatura ter pernas para andar precisa de uma base de sustentação que escapa ao nosso âmbito”, diz ainda Carlos Silva, mostrando-se satisfeito pela adesão da Câmara de Vila Verde, que “abraçou o projecto e tem já uma técnica do município a trabalhar nisto”.

O autarca de Vila Verde confirma que se está a “constituir uma equipa com pessoas que estudaram esta tradição e que possam ajudar a começar a desenvolver a candidatura”.  António Vilela observa que as cantigas ao desafio “estão muito vivas” no Minho, e que o instrumento que por norma as acompanha, a concertina, tem cada vez mais adeptos.

Vilela está ainda empenhado em congregar instituições das “várias terras” que preservam esta tradição, que tem “características particulares” no Minho, mas que existe noutras regiões do país, designadamente no Douro Litoral e na Beira Alta. Não estará, no entanto, a ser equacionada a hipótese de uma candidatura conjunta com a Galiza, como aconteceu em 2005, quando uma comissão promotora englobando instituições galegas e da região Norte de Portugal tentaram que a “tradição oral galaico-portuguesa” fosse reconhecida pela UNESCO.

Entre várias outras dimensões, da literatura popular às romarias, e dos sistemas linguísticos a formas de cultura ligadas aos meios marítimo ou agrário, a candidatura de 2005 englobava os cantares ao desafio, que na Galiza se chamam “regueifas” porque aconteciam tradicionalmente em festas populares e casamentos nos quais se consumia este tipo de pão.

A UNESCO até elogiou a competência técnica da candidatura de 2005, mas rejeitou-a, apresentando como objecção principal a sua excessiva amplitude. Daí que, desta vez, sublinha António Vilela, o objectivo é apostar em algo “muito mais específico”, propondo “apenas os cantares ao desafio”.

Ao contrário das “regueifas” galegas, que já em 2005 corriam risco de extinção, os cantares ao desafio minhotos atravessam uma fase pujante. “Há uma nova geração de cantadores”, diz Carlos Silva, e “em qualquer festa popular é ponto de honra que haja cantares ao desafio, mesmo que não subam ao palco”. E António Vilela acrescenta que, “ao domingo, nas sedes de concelho, é costume juntarem-se tocadores de concertina, e surge sempre alguém a cantar ao desafio”.

E se há alguns anos “quem cantava ao desafio era gente do povo”, diz Carlos Silva, “agora aparecem pessoas com estudos e que, em muitos casos, vivem só disto”. Artistas que correm as romarias portuguesas e que são também convidados para actuar nas festas populares organizadas pelas comunidades portuguesas no mundo. Talvez consciente de que este novo fenómeno, que por um lado mantém viva a tradição, mas por outro lhe retira alguma da sua espontaneidade, pode não beneficiar a candidatura, o autarca de Vila Verde defende que não é o cantar ao desafio que se está a transformar num espectáculo profissional, planeado e ensaiado, mas antes alguns dos seus intérpretes, que “também cantam em palco e gravam discos”.

Os cantadores ao desafio portugueses têm afinidades com os repentistas do Brasil ou da Colômbia, ou com os payadores argentinos e uruguaios. Em todos os casos, trata-se de dois ou mais cantores/versejadores que se desafiam e provocam. Mas a desgarrada portuguesa, com o relevo que dá à temática do sexo, ou com a sua insistência no formato estrófico da quadra, para citar apenas duas das suas muitas particularidades, configura uma tradição singular, que esta candidatura em marcha terá agora de documentar.

Sugerir correcção
Ler 7 comentários