Caetano e Gil, excelência e sedução em Oeiras

O encerramento do festival EDP Cool Jazz 2015 não podia ter sido melhor: Caetano Veloso e Gilberto Gil construíram, juntos, um espectáculo magnífico.

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Caetano Veloso e Gilberto Gil no EDP Cool Jazz 2015 Enric Vives-Rubio
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Caetano Veloso e Gilberto Gil no EDP Cool Jazz 2015 Enric Vives-Rubio
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Caetano Veloso e Gilberto Gil no EDP Cool Jazz 2015 Enric Vives-Rubio
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Caetano Veloso e Gilberto Gil no EDP Cool Jazz 2015 Enric Vives-Rubio

Caetano de azul-escuro, Gil de branco. Foi assim no Coliseu de Lisboa, em 1994, foi assim de novo agora, na noite de 31 de Julho, no Parque dos Poetas, num Estádio Municipal de Oeiras há muito esgotado para o encerramento do EDP Cool Jazz 2015.

E, tal como nessa altura, foram também 26 as canções ouvidas agora em palco (do espectáculo de 1994, só cinco foram agora retomadas: Sampa, Eu vim da Bahia, Toda menina baiana, Esotérico, Filhos de Gandhi e Desde que o samba é samba). Mas de resto, esta revisitação conjunta dos 50 anos de carreira de ambos (um século no total) nada teve de repetitivo ou revivalista, antes foi uma vibrante afirmação da vitalidade e do génio dos dois, potenciados no passar do tempo. A voz de Caetano, em excelente forma, soa magnífica (e para isso muito contribuiu o som límpido e absolutamente irrepreensível no estádio) e a de Gil, mantendo o seu tom peculiar de há décadas, evidencia calor, nervo e sedução. O público portou-se à altura, e fez da noite um espaço de comunhão musical como poucos.

Sendo um olhar introspectivo, o roteiro soube traçá-lo com argúcia. Desde logo, com a ideia, sempre presente, de regresso, com Back in Bahia. Regresso ao Brasil, do exílio; regresso a um Portugal por onde passaram a caminho do exílio. “Lá em Londres, vez em quando me sentia longe daqui”, diz a canção. E dizem as vozes, em uníssono, a uma distância de quase cinco décadas. Depois Coração vagabundo (Caetano a escrever na senda de João Gilberto) e dois temas-manifesto, ambos de 1968: Tropicália, de Caetano (que agora o cantou de forma avassaladora) e Marginália II, de Gil (o refrão foi repetido pela audiência). É luxo só, de Ary Barroso, soou com um balanço incrível, as cordas dos violões em constante pulsação rítmica, e lembrou ali João Gilberto, que o gravou. Tal como É de manhã, escrito por Caetano para a irmã, lembrou Bethânia sem a nomear. Caetano e Gil cantaram-na magnificamente, abrindo o “tempo” para Caetano: Sampa, Terra, Nine out of ten e Odeio (de ) um dos temas mais recentes ouvidos na noite.

Tonada de luna llena (do venezuelano Simón Diaz, que Caetano gravou em Fina Estampa) passou a palavra a Gil, com Eu vim da Bahia, seguida de Super-homem, a canção, primeiro na voz de Caetano (que dela gravara uma excelente versão) e depois na de Gil, naquele que foi um dos mais fabulosos momentos conjuntos da noite. Gil escreveu este tema, belíssimo, em 1979, depois de ouvir Caetano Veloso contar-lhe, entusiasmado, o filme Super-Homem, a que acabara de assistir, e onde este – como depois escreveu Gil – mudara “como um deus o curso da história/ por causa da mulher”.

Nova incursão em palavras alheias: Caetano com Come prima (que ele gravou no disco de homenagem a Fellini e Giulietta Masina e é do repertório de Domenico Modugno) e depois Gil com Tres palabras, do cubano Osvaldo Farrés. Pelo meio, cantaram juntos Esotérico (grata memória dos Doces Bárbaros) e assim se mantiveram em Drão, um dos temas mais bem concebidos de Gil. Que teve, a seguir, o seu grande momento da noite: Não tenho medo da morte, primeiro cantado em tom excepcionalmente grave e depois com a voz lançada a tons mais altos. Criativo, vibrante, absolutamente excepcional.

Expresso 2222 chegou já no alegre caminho da festa. Que se manteve, em alta, com Toda menina baiana (com a audiência a cantar e a bater palmas cadenciadas), São João, Xangô, menino (também dos tempos dos Doces Bárbaros) e Nossa gente. Depois, os ritos e a crença: Andar com fé e Filhos de Gandhi, ambas de Gil, mas tocadas em duo.

Forte aplausos, falso fim e regresso. Como os sons baianos estavam de novo no ar, Caetano saudou (ali bem perto) “Santo Amaro… de Oeiras”, ele que nasceu num outro Santo Amaro, o da Purificação da Bahia. Isso serviu-lhe, a ele e a Gil, para recordarem em duo o magnífico Desde que o samba é samba, de Tropicália 2, que a audiência replicou palavra a palavra, num sussurro que se foi fazendo coro global. Depois Domingo no Parque e, a fechar, A luz de Tieta, remetendo para a entusiástica rítmica baiana e para Jorge Amado.

Uma dupla, escrevi em 1994, após o concerto do Coliseu, “imbatível nas artes de bem compor, bem cantar e melhor seduzir.” E que é, sem dúvida, imbatível na arte de bem envelhecer.

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