Boas vibrações

Ren Schofield é Container, um americano que faz dançar com o feedback e a distorção.

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Container: a irregularidade das suas composições nega a lisura do tecno ou o lado festivo de música dança mais convencional DR

“What I liked most about this one was that again it fell into that realm of ‘not dance music’ dance music, it created this need to move your body”. A frase perspicaz é de Dan Deacon sobre Ride The Skies, o segundo álbum dos Ligthning Bolt. O músico de Baltimore intui naquela banda de rock a presença de um groove, a capacidade de provocar um júbilo que alimentado pela distorção e o volume não se reduz a estes elementos. A sua observação tem implícito um alcance mais vasto. Alude à presença de formas da electrónica (dançável) na cena noise de Providence, Rhode Island.

Nos finais dos anos 1990, Mat Brinkman, Mammal, Viki, Pleasurehorse, Forcefield foram alguns dos músicos que, em edições (por vezes, limitadas) de cassetes e cds, acrescentavam os beats ao feedback e à distorção, a repetição do ritmo à discordância do noise. Música suja, áspera, densa, carregada (porventura o reflexo grosseiro da tão comentada hypnagogic pop) que acabaria relegada para uma obscuridade previsível. O cariz furtivo e efémero das gravações, a geografia periférica da cidade, a solidariedade estética com o rock (pertenciam todos à mesma comunidade) não lhe permitiu outro fado.

Nos últimos dois anos, contudo, os seus ecos têm vindo a despertar a atenção de alguma imprensa, muito por causa de um “segunda geração” de músicos em que se inclui Container, o alter-ego de Ren Schofield. Actualmente a viver em Nashville, este ex-baterista usa um gravador de quatro pistas, pedais de distorção e um Roland 909 para moldar e pôr em movimento os esqueletos das batidas. “Chegou o Tecno-noise”, terão exclamado, entretanto, alguns jornalistas face à perplexidade do músico que, já confessou, prefere ficar com a segunda palavra.

LP

, o seu novo álbum, é todavia bem que mais do barulho. A primeira faixa, 

Eject

, acorda com um silvo, libertando uma sessão de 

beats

 regulares. Rasga-se espaço para a dança, mas sem qualquer laço com a 

big beat

 ou o 

drum & bass

. Do primeiro ritmo, rompe-se outro mais furioso enquanto a distorção vai ampliando a canção num crescendo violento. 

Remover

, o momento seguinte, replica a electrónica do pós-punk e durante dois minutos não se percebe qualquer sobressalto. Lentamente, então, as batidas multiplicam-se numa vertigem que se afasta do universo dos DAF ou dos Cabaret Voltaire. A canção rodopia sobre si mesma, mesclando ritmo e distorção, sabotando qualquer possibilidade de equilíbrio, linearidade, espaço. Ouça-se “

Peripheral

”, em constante metamorfose, construída sobre camadas de beats,

loops

 e 

riffs

: Schofield não escolhe os sons, toca-os, as mãos sobre os instrumentos.

Nascida e formada em concertos, a música de Container permanece afastada dos clubes nocturnos e do universo dos DJ’s. O próprio insiste que é ao lado de outras bandas ou músicos (Unicorn Hard-On, Dog Synth, Acre, Leslie Keffer) em caves, edifício abandonados, galerias que a sua música fica bem. Não se trata de uma embirração: a irregularidade das suas composições nega a lisura do tecno ou o lado festivo de música dança mais convencional. Calibrate e Appliance são exemplares dessa abordagem, revelando afinidades com a cena de Providence e a velocidade dos Lightning Bolt. Mas o aparecimento de uma categoria como tecno-noise, por mais que ridícula que soe, não é totalmente descabida. Schofield está familiarizado com os traços do género, sabe manipulá-los enquanto formas musicais, como demonstra no primeiro terço de Cushion. É a falta de conhecimento profundo e a ligação a um contexto musical que o transporta para os outros lugares. Assim, o que começa em Ibiza termina na paisagem do Sul dos Estados Unidos entre nuvens de feedback e o som de uma sirene. O corpo, esse continua a dançar.

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