Ben Affleck confessa-se "envergonhado" por antepassado dono de escravos

O actor pede agora desculpas por ter censurado programa de TV. Milhares de documentos revelados no ataque informático à Sony estão agora no site WikiLeaks, entre os quais a revelação de uma polémica com Affleck.

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Ben Affleck ganhou o Óscar de Melhor Realizador em 2013 Gus Ruelas/REUTERS

Ben Affleck pediu na terça-feira desculpas por ter escondido dos espectadores de um programa sobre genealogia e antepassados de celebridades que a sua família foi, em tempos, proprietária de escravos. “Senti-me envergonhado”, desculpou-se o próximo Batman na sua conta no Facebook a propósito de mais uma revelação saída do ataque informático à Sony, desta feita através da divulgação de mais de 200 mil documentos e emails do estúdio no site WikiLeaks.

“Não queria que um programa de televisão sobre a minha família incluísse um tipo que era dono de escravos”, admite Ben Affleck em reacção às notícias que surgiram na sequência de um novo episódio na história do ataque informático à Sony Pictures – e que revelavam que pediu à equipa da série documental do canal público norte-americano Finding Your Roots, da PBS, que deixassem de fora a descoberta de um antepassado seu cujo papel durante a era da escravatura nos EUA o embaraçava.

O programa convida rostos conhecidos a colaborar e a protagonizar numa busca pelas suas raízes, sendo que depois dessa pesquisa Affleck enviou um email aos produtores a pedir que alguns detalhes da sua história fossem escondidos. “Eis o meu dilema: confidencialmente, pela primeira vez, um dos nossos convidados pede-nos para editar uma coisa sobre os seus antepassados – o facto de que foram donos de escravos”, escreveu o professor da Universidade de Harvard, Henry Louis Gates, que apresenta o programa, ao CEO da Sony Pictures, Michael Lynton.

“Na verdade, fazê-lo seria uma violação das regras da PBS, mesmo para o Batman”, acrescentava ainda o especialista em Estudos Afro-Americanos numa referência ao próximo papel de Affleck como homem-morcego no blockbuster Batman vs. Superman (da rival Warner, cuja estreia está agendada para 2016 e cujo trailer se escapou para a Internet um dia depois da publicação dos cerca de 30 mil documentos e 173 mil emails da Sony no site de Julian Assange). Ainda assim, Michael Lynton ignorou os temores do historiador sobre a censura e aconselhou-o a aceder ao pedido da “superestrela”. “Eu tiraria [as referências ao antepassado esclavagista] se ninguém souber, mas se se sabe que está a editar o material com base neste tipo de tema sensível, torna-se complexo. Ainda assim, em todo o caso, eu decididamente retirava-a”, respondeu o responsável pelos estúdios.

O programa acabou por ir para o ar sem qualquer referência ao antepassado do actor, e agora que o teor das mensagens se tornou de conhecimento público, Gates quis esclarecer que manteve o “controlo editorial” sobre o programa e que a ausência desse dado foi uma escolha em prol de temas e pessoas “mais interessantes” na árvore genealógica de Affleck. Na terça-feira, o canal de televisão anunciou que vai investigar internamente o caso para apurar se foram violados os princípios editoriais da PBS.

Quanto a Affleck, o vencedor do Óscar de Melhor Realizador em 2013 por Argo confirmou então, agora publicamente, o seu pedido polémico. “Arrependo-me dos meus pensamentos iniciais sobre a não-inclusão do tema da escravatura no programa. Não merecemos nem crédito nem culpa pelos nossos antepassados e o grau de interesse nesta história sugere que, enquanto país, ainda estamos a lidar com o terrível legado da escravatura”, escreveu no Facebook. “Estou contente pelo facto de a minha história, ainda que de forma indirecta, contribua para o debate.”

A chegada de mais de duas dezenas de milhares de documentos internos da Sony à WikiLeaks gerou menos interesse mediático do que as primeiras tranches de revelações, no final do ano passado. Julian Assange considerou que estas informações “pertencem ao domínio público” por revelarem “os meandros internos de uma influente corporação multinacional” e que estão “no centro de um conflito geopolítico”, como se lê no comunicado da WikiLeaks sobre o arquivo pesquisável que agora disponibiliza.

A Sony, por seu turno, reagiu em comunicado lamentando que a WikiLeaks “ajudasse” agora os seus “atacantes”. “Discordamos veementemente da afirmação da WikiLeaks de que este material pertence ao domínio público”, defende ainda o estúdio.

Segundo a WikiLeaks, nesta documentação há dados sobre filmes de estúdios rivais como o de Snowden, de Oliver Stone, mas a organização está mais focada no facto de estes documentos mostrarem “que nos bastidores esta é uma corporação influente com laços à Casa Branca”, citando a presença de mais de cem moradas do Governo americano no arquivo, bem como dados sobre donativos ao Presidente Obama ou ao governador de Nova Iorque Andrew Cuomo. Refere-se ainda que Michael Lynton pertence ao poderoso think tank de serviços secretos e desenvolvimento militar RAND e detalham-se comunicações entre a Sony e a empresa e suas relações negociais.

Pelo que a WikiLeaks conclui que a Sony tem “a capacidade de ter impacto na legislação e políticas”, mencionando ainda o seu papel e poder como “forte lobista nos temas em torno da política para a Internet, pirataria, acordos comerciais e temas relacionados com direitos de autor”, bem como “ligações ao complexo industrial e militar dos EUA”.

O ataque informático à Sony Pictures foi lançado no Outono passado com uma dimensão sem precedentes, revelando milhares de documentos internos, deixando o estúdio paralisado durante vários dias e danificando potencialmente a sua reputação e a sua relação com alguns dos seus actores e realizadores. A estreia comercial da sátira The Interview foi suspensa devido a ameaças de um grupo de hackers que se apresentava como Guardians of Peace e foram exploradas as suas alegadas ligações à Coreia do Norte. A Casa Branca e Obama envolveram-se directamente no caso, gerando uma escalada de tensão entre Washington e Pyongyang.

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