Belém não é Sintra mas, se é para mudar, Lamas pode ser a pessoa indicada

Sem que o projecto de António Lamas seja ainda conhecido, o novo presidente do CCB parece ter a confiança do meio.

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O Mosteiro dos Jerónimos é um dos 15 locais classificados em Portugal como património mundial pela Unesco ENRIC VIVES-RUBIO

Se é para se criar um novo pólo Belém-Ajuda, que reúna todos os museus e monumentos da zona numa só administração, então António Lamas é a pessoa certa para ficar no seu comando. Esta é a opinião de dois especialistas do meio que vêem com bons olhos a mudança, alertando, no entanto, para o que daí possa advir. E há ainda quem lembre: Belém não é Sintra.

Embora não seja ainda verdadeiramente conhecido o plano de António Lamas para o eixo Belém-Ajuda, Isabel Cordeiro, até ao início do ano directora-geral do Património Cultural, acredita que com a sua escolha para presidente do CCB cria-se uma “oportunidade para se repensar os modelos de gestão dos museus e monumentos e mais ainda da área monumental de Belém-Ajuda”. “É importante criar sinergias e criar uma relação entre os museus e monumentos que estão na Praça do Império, e do próprio CCB, com os museus e palácios que se encontram na parte superior do pólo monumental”, diz Isabel Cordeiro ao PÚBLICO, lembrando, no entanto, que há questões que têm de ser acauteladas, “relativamente aos princípios de subsidiariedade de uns monumentos em relação aos outros”.

“Acho que há oportunidades mas claro que há muita reflexão para se fazer em torno desse assunto porque é uma matéria complexa”, continua Cordeiro. “António Lamas será de certeza a pessoa certa para pensar nisso. Não sei qual a sua ideia mas é uma pessoa que tem reflectido sobre isso e tem uma obra feita”, referindo-se ao trabalho de Lamas na direcção da Parques de Sintra-Monte da Lua.  

No entanto, Luís Raposo, o arqueólogo que já foi director do Museu Nacional de Arqueologia, situado nos Jerónimos, lembra que a situação de Sintra não é comparável com a de Belém. “Sintra não pode servir de exemplo, nenhuma das unidades que Lamas geriu em Sintra tem esta dimensão. Não têm, apesar de tudo, a centralidade em termos de memória nacional que têm estes museus”. Raposo diz ainda que há aspectos em Sintra que é preciso rever. “A experiência de Sintra é muito boa do ponto de vista da qualificação do património, do restauro, da conservação, mas tem problemas graves”, exemplificando com os preços praticados, “especialmente no Palácio da Pena”, cuja entrada custa 14 euros.

“Comparativamente, os preços são dos mais altos da Europa. Inclusivamente, não são respeitadas as normais gerais de acesso aos museus como por exemplo, a gratuidade aos domingos”, explica. Ao contrário do que acontece nos museus sob a alçada da Direcção-Geral do Património Cultural, aos domingos até às 13h apenas os munícipes do concelho de Sintra estão isentos de pagamento de entrada nos parques e monumentos sob a gestão da Parques de Sintra.

Sobre o trabalho na Parques de Sintra-Monte da Lua, Isabel Cordeiro destaca apenas “o trabalho notável” que Lamas desenvolveu nos últimos anos. “Tive o privilégio de conhecer e partilhar e de facto há um trabalho absolutamente notável que foi feito de recuperação do conjunto dos parques e também dos monumentos que estão integrados na sociedade Parques Sintra.”

Luís Raposo já no ano passado enquanto presidente do ICOM Portugal tinha alertado, num artigo publicado no PÚBLICO, em reacção ao artigo de António Lamas, para os “os perigos” que a mudança em Belém pode acarretar. Agora explica: “Eu estou de acordo que deve haver uma gestão integrada, acho que é vantajoso e acho até escandaloso que ainda não exista mas é preciso ter cuidado para não haver uma descaracterização da personalidade própria de cada unidade”. Admite que António Lamas "com o conhecimento profundo que tem desta matéria encontre a via equilibrada e adequada para conjugar a gestão integrada com a autonomia de projectos”, diz o arqueólogo, para quem é importante que todos os museus e monumentos da zona integrem este novo pólo. “Se for só o que é da Secretaria de Estado da Cultura então o projecto fica coxo”, afirma.

Isto porque, explica, é importante que se pense numa gestão integrada não só ao nível da bilhética, como da circulação de equipamentos, pessoas, e ainda da programação. “Pode ser uma forma de promover actividades diferentes e complementares ao longo de todo o ano e só isso, por exemplo, será suficiente para que rapidamente aumente os números de visitantes ao Museu Nacional de Etnologia [em 2013 teve 12,051 visitantes].”

Raposo lembra ainda que em Belém estão “algumas máquinas de fazer dinheiro” como o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém e, uma vez adoptado o modelo da Parques de Sintra, “as receitas geradas passam a ser todas postas ao serviço desses monumentos”. “Isso vai beneficiar muitíssimo esses monumentos dessa zona e é muito bom. Só que a preço de quê? Do colapso de uma política nacional justa de reinvestimento noutras zonas do país, onde os museus e os monumentos são altamente deficitários”, explica, temendo que os apoios do Estado se reduzam ainda mais. “Tudo isto é susceptível de ser acautelado e pensado e se há pessoa neste momento com competência e condições para que estes aspectos negativos possam ser acautelados é Antonio Lamas.”

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