B-boy, o que danças tu?

Uma dança que é muito mais do que uma dança. O b-boying é um estilo de vida, onde ninguém se teme e todos se respeitam. Foi o que vimos na final da Europa Ocidental do Red Bull BC One.

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O francês Tonio consagrou-se campeão da Europa Ocidental Victor Engström
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Lagaet não foi além da meia-final Victor Engström
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A meia-final entre Lagaet e Tonio Victor Engström
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Os membros do júri: Swiftrock (à esquerda), Roxrite (ao centro) e Maurizio (à direita) Nika Kramer
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A música das batalhas esteve a cargo do DJ russo Smirnoff Victor Engström
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O júri elege um vencedor no final de cada batalha Nika Kramer
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Batalha entre o francês Dany e o holandês SkyChief Nika Kramer
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Tonio em batalha Nika Kramer
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Lagaet (à direita) na primeira batalha com o espanhol Xak Nika Kramer

Tudo começa com a atitude. Depois o estilo. Ginga para aqui, ginga para ali. E em fracções de segundo perguntamo-nos o que é que está a acontecer à nossa frente, num palco que em tanta coisa nos faz lembrar um ringue de luta livre. Mão no pé, cabeça no chão, ombro, costas, salto, desliza, salto – tão rápido quanto descrevemos. Estão a dançar? Sim. A competir? Também. O que é? B-Boying, a dança que tem a sua origem no breakdance. Eles são os b-boys, artistas e desportistas, que saltaram das ruas para os palcos e hoje exigem o reconhecimento da sua arte.

Uma arte, um desporto, uma competição. Vejamos isto: 16 rapazes disputaram na semana passada em Helsínquia (Finlândia) a final da Europa Ocidental da Red Bull BC One, um dos muitos campeonatos que existem na área, talvez o mais mediático. O vencedor, o francês Tonio que ganhou um lugar na final mundial que acontece em Novembro em Paris, passou por quatro batalhas em pouco mais de duas horas. As batalhas, como o nome indica, são de um contra um. Ou seja, agora vai um e zás trás mexe-se como poucos, depois vem outro, e deixa-nos também de boca aberta. A escolha do vencedor de cada batalha cabe ao júri, que decide no momento. Sabe quanto dura uma batalha? Menos de quatro minutos. E sabe quantas rondas tem? Três. A final, essa, tem cinco rondas, uns seis minutos. Já imaginou? Cansado? Eles também, mesmo que não o demonstrem. Faz parte da atitude necessária ao jogo. Aqui, não se dá parte de fraco.

“O B-boying é exigente e quem não está preparado nota-se logo”, diz-nos Lagaet, o representante de Portugal em Helsínquia, que não conseguiu ir mais além do que a meia-final, eliminado exactamente por aquele que venceria a competição. Com 26 anos, anda nisto há mais de dez anos e é já uma referência no meio, não só cá como a nível internacional. Não foi um caminho fácil até aqui mas valeram-lhe os títulos que foi conquistando ao longo do tempo. Hoje é atleta da Red Bull, o que significa que tem o apoio da marca durante o ano inteiro. Se assim não fosse, talvez as coisas fossem diferentes. “O B-boying ainda não é reconhecido, é uma arte recente, tudo isto é muito novo”, conta Lagaet, que nasceu na ilha de Martinica e nos anos 2000 se mudou para o Porto. “Se compararmos com o ballet, por exemplo, que já existe há tanto tempo”, continua, lamentando que “pouca gente leve isto a sério a nível profissional”. “As pessoas acabam por ser levadas por esta maioria que são miúdos”, explica. “São aqueles que quando alguém lhes diz para fazer alguma coisa, como se não fosse preciso nenhuma preparação, fazem.”

Lagaet tem a maturidade de quem anda nisto há algum tempo. A maturidade de quem também já aprendeu com os erros. A maturidade de ser capaz de separar a competição da arte. “Somos todos amigos, partilhamos todos a mesma paixão, a mesma arte e não vejo o porquê de sermos inimigos só porque vamos batalhar. Não faz sentido nenhum, quem ainda aí está, está muito mal parado”, diz, sem ter de pensar muito na resposta.

Em Helsínquia, foi isso mesmo que vimos. Num dia os 16 b-boys estão a partilhar uma sala de reuniões de um hotel transformada em sala de treinos e no outro estão a competir. Ora estão na brincadeira e à conversa e a partilhar uma mesa ao jantar, ora se estão a picar e a apontar o dedo, numa provocação que faz parte da competição. “As pessoas têm de saber separar as coisas, batalhar é uma coisa e a vida real é outra.”

É algo que se aprende, conta-nos o norte-americano Roxrite, considerado por muitos, entre os quais Lagaet, uma “lenda” do b-boying. Na semana passada, ele foi jurado, ao lado de outros dois nomes grandes desta dança: o alemão Swiftrock e o italiano Maurizio. “Quando estás numa batalha colocas toda a tua energia nesse momento, uma vez que é uma dança competitiva, mas depois tens de te ir embora com respeito e a valorizar o trabalho dos outros”, conta Roxrite, que começou no b-boying em 1995. Está tão dentro deste mundo que separa as coisas desta forma: nós que vivemos isto e vocês que não são do break.

Nós que não somos do break, diz, não entendemos realmente o que se passa à nossa frente. “Para quem fica de fora, o b-boying é só uma dança, que vês e ficas maravilhado porque sabes que não é igual a mais nada, nunca viste nada assim, mas para nós é muito mais do que isso, para nós é um salva-vidas, que nos tem ensinado muita coisa sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre dança, disciplina, compromisso, sacrifício.”

E são muitos os sacrifícios. Começa pelos treinos duros de todos os dias até aos muitos cuidados na alimentação. “Já me estou a preparar há muito tempo, estou sempre a correr, por exemplo, porque me ajuda a ganhar mais resistência, que é o que é preciso em competições de um contra um”, conta Lagaet, admitindo gostar especialmente desta competição da Red Bull porque é preciso dançar muito. Isso, seguir as regras e muito jogo de cintura.

Para começar, explica, é preciso dominar as bases, “dançar de pé, no chão, movimentos congelados de equilíbrio, domínio dos movimentos acrobáticos”. É preciso também ser criativo: “Como se em cada movimento básico se criasse um novo movimento”. Ou seja, é ver Lagaet a dançar e dizer: ah, isto é o Lagaet. “A dança baseia-se toda nisto e é assim que se cria um estilo completamente diferente.” Depois, claro, não se pode cair, falhar. “Temos de ter uma dança clara, bonita.”

“Ainda há a dinâmica que tem a ver com as mudanças de velocidade, dançar em slow motion, a forma como utilizamos o palco”, continua o b-boy, destacando também que é bom saber improvisar. “Por exemplo, este está a dançar com boné e o boné cai. Eu pego no boné enquanto ele está a dançar e quando ele se levanta pede-me o boné, eu faço de conta que vou dar e quando ele vem apanhar, eu largo. São truques”, conta entusiasmado Lagaet. “Basicamente é envergonhar a pessoa e o público deixa-se levar por isso e torna a batalha a meu favor sem eu sequer ter dançado. É preciso ter manhas.”

“Ah, e depois é preciso que nunca te esqueças que estás a competir e não a fazer um espectáculo, não te podes deixar levar pelo público. A batalha não é uma exibição, o teu controlo é a outra pessoa. Tens de desafiar essa pessoa, não estás a dançar para o público, nem para o júri mas a lutar contra essa pessoa e aí és avaliado pelo júri e há reacção do público se gosta ou não”, explica.

Isso tudo? “E isto sou eu a falar só assim ao de leve”, responde, acreditando que é por isso que esta arte existe ainda um pouco à margem. “É uma dança muito complexa, as pessoas não têm noção, vêem mas não entendem a essência do que realmente se trata.” Lagaet dá o exemplo do futebol: “As regras são simples, sabes quando é falta e quando a bola entra na baliza é golo, não tem que enganar”. “No b-boying, como as pessoas não percebem, desvalorizam.”

Roxrite separa os mundos outra vez: “Para vocês que não fazem break, a batalha é entretenimento porque eles estão a fazer movimentos loucos mas para nós, o que vemos é os participantes a ter realmente uma conversa, estão a trocar ideias um com o outro através dos seus movimentos”.

Quanto ao panorama em Portugal, Lagaet queixa-se da falta de união entre os seus pares. “Se estivéssemos mais unidos, podíamos evoluir mais rápido. Acho que cada um olha por si, cada um treina no seu canto, enquanto nos outros países há sempre um spot onde toda a gente se encontra e treina junto, independentemente da crew a que pertence”, conta. “Eu gostava de ver mais nível em Portugal, nunca compito em Portugal por causa disso. Não há nível”, acrescenta o português que pertence à Momentum Crew, no Porto, cidade onde também dá aulas. De b-boying, claro.

O norte-americano admite que não é fácil, mesmo em países como os Estados Unidos, onde a cultura hip-hop está bem presente. “Gostava que no futuro, os b-boys fossem bem-sucedidos, na medida de serem capazes de viver da dança. Gostava que arranjassem patrocinadores e não tivessem que se e preocupar, a não ser andar por aí a inspirar o mundo.”

Quanto a previsões neste mundo, não as faz. “De 1995 para 2014, evoluímos qualquer coisa como de dois movimentos para 15, a dança ficou mais diversa, mais dinâmica, mais fluida. Espero que continue assim, mantendo-se sempre fiel às suas raízes.”
 
O PÚBLICO viajou a convite da Red Bull

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