Três homens desiludidos com Barack Obama

Glenn Greenwald, Charles Ferguson e David Carr estiveram na Festa Literária Internacional de Paraty a reflectir sobre a América, espionagem, terrorismo e crise económica. Em comum têm a mesma desilusão com Barack Obama.

Fotogaleria
Glenn Greenwald na conferência de imprensa FLIP
Fotogaleria
David Carr Walter Craveiro
Fotogaleria
Charles Ferguson Walter Craveiro

Há seis semanas, o jornalista Glenn Greenwald, que foi um dos escolhidos pelo colaborador da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA), Edward Snowden, para revelar ao mundo que o governo dos Estados Unidos estava a fazer espionagem generalizada, esteve em Moscovo.

Foi encontrar-se com Snowden que ali pediu asilo há um ano quando foi revelado que era ele a fonte de todas as provas na posse dos jornalistas do jornal britânico The Guardian. “Ele está muito bem, anda por Moscovo à vontade. Às vezes as pessoas reconhecem-no, outras vezes não. Ele [apesar dos seus 29 anos] parece um miúdo de 18 nas suas primeiras férias. Tem liberdade para fazer isso e para participar no debate que ele ajudou a provocar em todo o mundo.”

O visto de Snowden expirou há três dias mas o Governo russo já garantiu que o vai renovar pelo menos por mais um ano. “O facto de Snowden estar em liberdade e não numa prisão americana é muito importante para inspirar futuros Edwards Snowdens”, acrescentou o autor do livro Sem Esconderijo - O caso Snowden nas palavras de quem o revelou (ed. Bertrand), que partilhou no sábado o palco da Tenda dos Autores na Festa Literária Internacional de Paraty com outro norte-americano, Charles Ferguson, realizador de Inside Job, que venceu em 2011 o Óscar de Melhor Documentário.  

Quando souberam que iriam estar os dois no palco ao mesmo tempo, tentaram perceber porque teriam sido colocados no mesmo painel. O trabalho de Charles Ferguson é sobre o sistema financeiro, o de Glenn Greenwald sobre política internacional, espionagem e terrorismo. Pode até parecer que não há uma ligação, mas há. Em ambos os casos ninguém foi punido, ninguém foi condenado.

Na sexta-feira fizeram perguntas ao Presidente Obama sobre a investigação que o Senado está a fazer quanto ao uso da tortura pela CIA nos últimos dez anos”, lembrou Glenn Greenwald. Para este jornalista, que recebeu o Prémio Pulitzer pelo trabalho no The Guardian, a agência norte-americana de serviços secretos está muito preocupada com o que este inquérito possa vir a revelar. “A CIA cometeu sérios crimes de guerra. O tipo de crimes por que outros países e outras agências têm sido condenados e, por isso, quis saber o que os senadores andavam a fazer: entraram nos computadores que eles estavam a usar e leram os seus emails.”

Quando em Março isto foi revelado pela primeira vez, o director da CIA, John Breenan, “conselheiro da Casa Branca, muito próximo de Obama”, negou que estivesse a acontecer. Esta semana soube-se através de um inquérito feito dentro da própria CIA que esta, de facto, invadiu a rede de Internet do Senado e seguiu emails dos senadores. “Parece que o director da CIA mentiu e por isso Obama teve de responder que ainda tem toda a confiança nele. Aparentemente o Presidente Obama não está preocupado com a espionagem no Senado. Mas também falou da investigação sobre a tortura - aconteceu pela primeira vez desde que está no poder - e disse a frase: ‘Nós torturámos algumas pessoas [some folks].’ A terminologia aqui é significante, mostra a forma descontraída como falou de um assunto de tanta gravidade.”

Glenn Greenwald acha que isto é sintomático dos últimos seis anos que Obama passou na Casa Branca. “Diz coisas bonitas às pessoas mas na política tem práticas imperialistas. Acredita que ‘somos os mais poderosos’ e podemos até torturar pessoas sem consequências”.

As surpresas

Também o cineasta e jornalista Charles Ferguson está desiludido com o governo de Obama. Ele que veio do establishment, fez um PhD em Ciências Políticas no MIT e consultoria para a Casa Branca, percebeu que de repente os Estados Unidos começaram a mudar embora a América nunca tivesse sido um lugar perfeito. Começou a investigar a crise e as suas consequências - tema do seu filme e também do livro que editou mais tarde -, mesmo antes da crise. Em 2007, os amigos começaram a alertá-lo de que algo estava muito mal e Charles R. Morris deu-lhe o manuscrito do livro The Two Trillion Dollar Meltdown: Easy Money, High Rollers, and the Great Credit Crash. Depois de o ler, Ferguson disse-lhe: ‘O que está neste livro é assustador mas o mundo parece estar bem’. Morris respondeu-lhe: ‘Espera para ver’”.

Uma das surpresas para Charles Ferguson é o quão severa foi esta crise. O mero facto de que uma coisa como esta pudesse acontecer nos Estados Unidos e se pudesse espalhar para todo o mundo e tivesse estas consequências enormes foi a sua surpresa número um. A sua surpresa número dois foi que “isto não aconteceu por acidente, não aconteceu por erro, foi um crime”. Se alguém lhe tivesse dito em 2008 o que se estava a passar na banca americana, ele teria dito que não podia ser, que nos Estados Unidos isso não seria permitido. Mas hoje, depois de todas as investigações, sabe-se que se tratou de facto de uma fraude criminal maciça. “Agora temos esse conhecimento e aconteceram zero processos criminais”, afirmou Charles Ferguson. Lembrou que o Presidente Obama, de uma forma muito parecida com o que disse na sexta-feira, já foi questionado várias vezes sobre este assunto e a sua resposta tem sido sempre a mesma: sabemos que fizeram coisas muito más mas legalmente não são criminosos, por isso não há nada que possamos fazer. “O Presidente Obama andou na Universidade de Direito de Harvard. Não é nenhum estúpido por isso sabe que está a mentir. Não há nenhuma dúvida disso. Ele sabe que está a mentir.”

O muro de silêncio

A falta de reacção das pessoas ao que se está a passar na sociedade americana também surpreende Charles Ferguson, que a considera oposta à que se tem passado no Brasil com as manifestações. “Nos últimos 30 anos, os americanos, principalmente os jovens, tornaram-se mais cínicos e mais fatalistas, mais resignados a aceitar que o seu governo é corrupto e que não podem fazer nada quanto a isso. Estão concentrados, como dizia o Voltaire, a cuidar do seu próprio jardim. Acho uma vergonha e espero que seja temporário.”

Depois de ter recebido o Óscar, Charles Ferguson começou a fazer um documentário sobre Hillary Clinton que interrompeu. “Parece que há um lado mau de se ser conhecido”, brincou o cineasta, a quem a CNN ofereceu a oportunidade de fazer um documentário em que teria a decisão da montagem final. “No dia em que assinei o contrato recebi um telefonema da assessora de imprensa de Hillary Clinton dizendo: ‘senhor Ferguson, sabemos que está a pensar fazer um filme…’ E nesse dia começou uma jornada extraordinária que foi basicamente eu contra os Clinton.” O cineasta, que se orgulha quando consegue descobrir alguma coisa que alguém não quer que ele saiba, diz que nunca na sua carreira enfrentou um muro tão grande de silêncio como com a família Clinton. “Falei com centenas de pessoas, seis dela combinaram falar comigo desde que fosse off the record e privadamente e duas concordaram serem filmadas. Com aquele material eu podia fazer um filme, mas não poderia fazer um filme de que me orgulhasse e decidi que não o faria. E estou a fazer um novo filme e muito entusiasmado.”

Este novo filme, que deverá ser lançado em Outubro de 2015, é sobre o desafio global das mudanças climáticas e a sustentabilidade energética. Esteve seis meses a pesquisar e em produção e começaram a filmar. Já rodaram nos Estados Unidos e em alguns sítios da Europa e vão filmar no Brasil, em Curitiba, e também na Indonésia, na China e em alguns países africanos. “Neste caso também posso dizer que cheguei a uma surpresa titânica. Foi surpresa positiva para mim, mesmo que não o seja para outros, é a que este é um problema resolúvel. Se nós decidirmos que queremos lidar com o problema climático e o problema energético e o problema da alimentação, nós podemos. Sabemos como o fazer. E se calhar até poupávamos dinheiro com as energias renováveis e a agricultura sustentável e fazíamos com que a nossa vida fosse melhor. Este lugar, é um dos mais bonitos da Terra, por favor não o deixem estragar.”

E como a Festa Literária Internacional de Paraty tem destas coisas, horas depois de Charles Ferguson e Glenn Greenwald terem estado sentados no palco da Tenda dos Autores, o jornalista do The New York Times David Carr subiu ao palco para falar sobre o seu livro de memórias, The Night of The Gun: A reporter investigates the darkest story of his life. His own, uma reportagem sobre si próprio, onde conta o seu passado de toxicodependência e como ser pai solteiro lhe salvou a vida. Como jornalista, David Carr às vezes sente-se pessimista. “Tem sido uma desilusão para mim  - e ainda para mais tendo feito parte dos jornalistas que cobriram as eleições e que seguem a política da administração - ver que com esta administração Obama, que prometia ser a mais aberta da história, estamos num impasse político. E apesar de vivermos numa democracia e de termos uma imprensa livre, não estamos a conseguir fazer muito.”

Contou também que esteve no Rio de Janeiro em casa de Glenn Greenwald, onde este vive com o marido brasileiro, e se meteu com ele dizendo: “Então é aqui que vive o futuro do jornalismo.” Glenn Greenwald tem sido muitas vezes acusado de misturar jornalismo com activismo. Para Carr, isto não é novo. “O jornalismo e o activismo já andam de mão dada há muito tempo. O problema é que às vezes não sabemos quem está a usar quem.” Considerou as revelações feitas pelos jornalistas do The Guardian como das mais importantes da década. “Mas a figura foi Edward Snowden, não nos podemos esquecer dele. O facto de ele ter escolhido Glenn e de este ter resistido às suas aproximações é uma prova do que ele é como jornalista/activista. Ele tem um ponto de vista claro mas é sempre baseado em factos. Ele é advogado, vocês ouviram-no esta manhã e eu não gostaria de ter de o enfrentar no tribunal. É como um cão que tem um osso, não o largará, e a sua parceria com o The Guardian resultou.”

David Carr lembrou que Snowden conhecia o trabalho que o The New York Times fez há uns anos e como trabalhariam e analisariam com cuidado os documentos e que a história levaria o seu tempo a ser feito. No entanto ele queria “apertar o botão e que tudo explodisse!”.

Sugerir correcção
Comentar