Artistas Unidos em risco de sair do Teatro da Politécnica por rendas em atraso

Reitoria da Universidade de Lisboa não renova contrato de arrendamento com a companhia de teatro de Jorge Silva Melo e abre um concurso público para a cedência do espaço.

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O Teatro da Politécnica tem duas salas: a principal com 110 lugares e a Sala das Janelas (na imagem), onde são organizados exposições e debates Enric Vives-Rubio

Os Artistas Unidos, companhia que o encenador Jorge Silva Melo fundou em 1995, poderão ter de abandonar aquela que foi a sua casa nos últimos três anos: o Teatro da Politécnica, em Lisboa. Em causa está uma dívida de 68 mil euros referentes ao aluguer do espaço, que pertence à Reitoria da Universidade de Lisboa. Ao PÚBLICO, o reitor António Cruz Serra disse “não fazer sentido manter um contrato que não é honrado”. Silva Melo optou por não prestar declarações ao PÚBLICO, alegando que “o assunto é demasiado complicado”.

Já em 2012, um ano depois de os Artistas Unidos se terem estabelecido no Teatro da Politécnica, a Universidade de Lisboa tinha ameaçado pôr termo ao contrato com a companhia de teatro por esta não cumprir as contrapartidas financeiras pela cedência do espaço na antiga Cantina da Politécnica de Lisboa. A renda anual é de 40 mil euros e os Artistas Unidos devem já 68 mil euros, diz o reitor ao PÚBLICO. Um problema que, segundo António Cruz Serra, se arrasta exactamente desde 2012 e sem nenhuma resolução à vista. A companhia, por seu lado, alega não ter condições para pagar estes valores, depois de a Direcção-Geral das Artes (DGArtes) ter diminuído os apoios financeiros. E lembra ainda o investimento que fez no espaço, como algumas obras para ali desenvolver o seu trabalho.

“Eu percebo que o mundo mudou muito desde essa altura, o financiamento da companhia é muito mais baixo mas temos de nos adaptar. Nós também perdemos financiamento e adaptamo-nos muito”, defende o reitor, explicando que não há forma de renovar o contrato, que termina em Outubro. “Nós temos a obrigação de recolher a receita pública e ninguém nos perdoa se não o fizermos”, diz António Cruz Serra, para quem não faz sentido manter um contrato de arrendamento que não é honrado.

O reitor lembra ainda que o contrato em questão “até já foi alvo no passado de um acordo de regularização da dívida” mas que este “nunca foi cumprido”. E, mais recentemente, diz, “foram realizadas reuniões com os mandatários dos Artistas Unidos e com a sua direcção para tentar encontrar uma solução que atendesse às dificuldades da companhia, mas que não colocasse a Universidade numa situação de ilegalidade, como a que resulta de não cobrar as receitas de que dispõe”. “Essa solução passou por uma proposta de acordo de pagamento faseado da dívida, a qual não foi aceite”, conta António Cruz Serra, lamentando que a situação tenha chegado a este ponto.

“Sei que são pessoas de bem e amaria ter a companhia lá, mas isto não é meu, nem é deles. É de todos nós. Da mesma maneira que temos a obrigação de exigir aos alunos o pagamento das propinas, temos a obrigação de exigir àqueles com quem celebrámos contratos, o pagamento”, continua o responsável.

É por isso que, à falta de pagamento, a solução encontrada foi a abertura de um concurso público para a cedência do espaço. “É nossa obrigação garantir que os espaços da Universidade são cedidos de forma transparente e concorrencial, por considerarmos ser essa a melhor forma de servir o interesse público. Naturalmente os Artistas Unidos poderão apresentar-se a este concurso, como aliás já foram informados.”

Já a par desta situação está o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, cujo gabinete disse ao PÚBLICO que, depois de ter contactado a reitoria, esta o informou que pretende “manter o espaço do Teatro da Politécnica vinculado à actividade teatral”, além de que vai proceder ainda “a uma descida significativa do montante de renda solicitado para a utilização do referido espaço”.

António Cruz Serra admite que para a Universidade de Lisboa é importante ter o teatro naquele espaço, junto ao Jardim Botânico e ao Museu da História Natural, mas que não pode decidir por si que a companhia fica. “Há um conjunto de leis que têm de ser seguidas, há o código dos contratos públicos e há toda a transparência que reclamamos sempre em todas as circunstâncias”, diz. “Não se podem usar recursos públicos sem contrapartidas. “Já o gabinete de Barreto Xavier lembra que “os Artistas Unidos são uma entidade cuja actividade é reconhecida por parte do Estado, razão pela qual têm tido um apoio regular ao longo dos anos”, mas que só à companhia compete a gestão dos seus fundos.

A Secretaria de Estado da Cultura (SEC) destaca ainda ao PÚBLICO que, “no contexto das limitações que se colocaram a Portugal no pós-crise económica e financeira de 2008, também o Orçamento do Estado na área da cultura foi afectado”. Os Artistas Unidos não ficaram imunes aos cortes, mas, desde 2009, diz a SEC, a companhia recebeu da DGArtes “o montante total de apoio" de 2.265.982 euros, "numa média anual de 453.196 euros”. “O Estado continua a garantir o apoio directo à actividade artística de carácter profissional, tendo os Artistas Unidos um apoio quadrienal (2013-2016) de 998.400 mil euros, correspondendo o ano de 2014 a um montante de 249.600 mil euros.”

O PÚBLICO sabe que estão a ser preparadas algumas manifestações públicas em defesa da companhia de teatro, entre as quais uma carta aberta contra esta decisão que implicará a interrupção do projecto dos Artistas Unidos, que em dez anos já mudaram quatro vezes de casa. 

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