Da cidade "ovo estrelado" à cidade "ovos mexidos"

O presente e o futuro da cidade foi debatido na conferência Do Objecto Reinventado à Cidade Reinventada, promovida pelo PÚBLICO no Terminal de Cruzeiros de Leixões.

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Interior do Terminal de Cruzeiros de Leixões, palco da conferência Fernando Veludo/NFactos
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Bárbara Reis, directora do PÚBLICO Fernando Veludo/NFactos
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Momento da conferência Fernando Veludo/NFactos
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O Terminal de Cruzeiros de Leixões foi o palco da conferência Fernando Veludo/NFactos
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O PÚBLICO foi o organizador da conferência Fernando Veludo/NFactos

Quando se pensa na ideia de cidade, o mais habitual é limitar o seu significado às suas fronteiras geográficas demarcadas pelo território municipal, à regulação jurídica e às suas tradições, como sendo algo oposto à noção de ruralidade. Aos olhos do geógrafo Álvaro Domingues, um dos oradores da conferência Do Objecto Reinventado à Cidade Reinventada, promovida pelo PÚBLICO em parceria com a Escola de Artes e Design (ESAD), que decorreu esta quarta-feira no Terminal de Cruzeiros de Leixões, Matosinhos, esta é uma noção redutora.

O geógrafo e professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto entende que esta definição, percepcionada pela tradição europeia, se aproxima do modelo da Cidade-Estado do Renascimento italiano. Propõe desmontar esta “utopia civilizacional” e a “imagem luminosa de cidade enquanto microterritório”, redefinindo o seu conceito em oposição à noção de urbano, e notando haver um cada vez maior afastamento entre estas duas ideias: “Contrariamente à cidade, a urbanização não é um lugar”.

Álvaro Domingues remete a necessidade de aglomerações para uma época em que as limitações tecnológicas faziam do espaço um obstáculo. Mas a evolução da tecnologia transformou a cidade do século XXI, reformulando a ideia da sua formação em “ovo estrelado”, quando tudo se concentra no centro em prejuízo da periferia, e deu lugar à noção de “cidade ovos mexidos”, ultrapassando as suas fronteiras territoriais.

Os limites da cidade deixam de estar confinados à sua área municipal e, através de “próteses” ou ligações tecnológicas, ela expande-se numa rede mais vasta à escala global, que vai além da sua geografia. A urbanização, tal e qual a conhecíamos, foi viável apenas por uma questão de restrição tecnológica “limitadora da mobilidade e do funcionamento das actividades e dos edifícios”, considera Domingues. Actualmente, a tendência é a do “aprofundamento da condição tecno-humana e a cada vez maior articulação entre sistemas que partem da escala local para a global”.

Mas, então, que género de objecto é a cidade? foi a questão formulada pelo professor do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade de Lisboa, José Bragança de Miranda, que vê na cidade "um conceito abstracto”. A dificuldade para encontrar uma definição está relacionada com a condição que este lhe atribui de “hiper-objecto aberto em reconstrução permanente”. Esta constante reconstrução, e a recriação “muitas vezes do que já existe”, permite à cidade “expandir-se em novas possibilidades”, disse aquele investigador.

Esta tese é também defendida pelo arquitecto Paolo Deganello, que defende um modelo de cidade assente na renovação do património edificado, em detrimento da expansão para territórios desocupados da periferia, que podem ser usados para a prática da agricultura. Itália, referiu, tem o recorde negativo de excesso de construção na Europa: 8% contra a média europeia de 4,7%.

Para o arquitecto italiano, é urgente parar com a "cimentificação" de terras agrícolas, medida prevista pela Comissão Europeia a ser posta em prática até 2050. Deganello idealiza uma cidade construída em formato circular, com ligações que partem do centro para toda a periferia, toda ela composta por áreas verdes.

Partindo desta ideia, também o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira  que participou num debate com os dois intervenientes atrás citados, e com Nuno Valentim, moderado por José Bártolo e Maria Milano , defende para o Porto uma cidade ligada entre si, sem espaço para a segregação. Como exemplo, referiu o projecto de recuperação do antigo Matadouro de Campanhã, que será reconvertido num espaço multiusos. O edifício, que está numa zona que “foi sendo esquecida ao longo dos anos”, terá uma ligação ao metro do Estádio do Dragão, através de uma passagem coberta. O autarca portuense vê nesta obra, “numa zona considerada, por muitos, periférica”, o ponto de partida para a integração da zona Oriental no resto da cidade.

Outro exemplo de edifícios abandonados de grande dimensão e que estão a passar por um processo de  reconversão é o espaço da Real Vinícola, em Matosinhos. À imagem de outros equipamentos degradados, sobretudo em Matosinhos-Sul, a antiga fábrica está a ser recuperada para ser a nova morada da Casa da Arquitectura e tornar-se num complexo multiusos. O director do projecto, Nuno Sampaio, apresentou-o na conferência, e defende a via da reinvenção do património edificado que não está a ser usado para que lhe seja atribuída uma nova função.

Esta sexta-feira e no sábado, a Casa da Arquitectura vai, de resto, poder ser visitada por quem quiser conhecer o espaço por dentro, e o projecto, que já se encontra numa fase avançada de execução, e a futura programação. O evento, intitulado Be a Part Of, vai contar com a presença dos arquitectos Álvaro Siza, Eduardo Souto de Moura, Gonçalo Byrne, João Luís Carrilho de Graça e João Mendes Ribeiro, além de Luciano Lazzari, presidente do Architects’ Council of Europe. E o programa incluirá conferências, debates, um concerto da Orquestra Jazz de Matosinhos, que será um dos futuros inquilinos do edifício renovado, e uma visita guiada às futuras instalações.

Na conferência Do Objecto Reinventado à Cidade Reinventada que permitiu aos participantes ver por dentro o novo edifício projectado pelo arquitecto Luís Pedro Silva –, intervieram também a directora do PÚBLICO, Bárbara Reis, o presidente da Câmara de Matosinhos, Guilherme Pinto, e os arquitectos João Mendes Ribeiro e Maria Milano.

A conferência Do Objecto Reinventado à Cidade Reinventada foi organizada pelo PÚBLICO com o apoio da Lexus.

 

 

 

      

 

 

 

 

 

 

 

 

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