Amor de papel em Paris

Exposição mostra dezenas de cartas de amor, umas mais explícitas, outras mais intimistas e confessionais.

Foto
Uma das 20 mil cartas que Juliette Drouet escreveu a Victor Hugo Cortesia: Museu de Cartas e Manuscritos de Paris

O título da exposição convida - Je n’ai rien à te dire sinon que je t’aime – e nela o visitante pode encontrar, garante a comissária, várias formas de “vulnerabilidade ao amor”. Estelle Gaudry, que admite ter tido muita dificuldade em escolher os 113 exemplares que o Museu de Cartas e Manuscritos de Paris mostra até 15 de Fevereiro, deixou-se comover por muitas das cartas. Tudo porque elas revelam, garante, a intimidade de cada um dos seus autores e dos que os rodeiam.

“As cartas de amor nascem muitas vezes da distância e da ausência”, escreve Gaudry num pequeno texto no site do museu. “É provavelmente o género epistolar mais delicado na medida em que toda a dificuldade reside na procura da melhor palavra para exprimir um sentimento inefável.”

Escrever sobre o amor não é fácil, portanto, mas a exposição mostra que são muitas as formas de o fazer, sem se preocupar, garante a comissária, em ser exaustiva. Nela se podem ver cartas de escritores, pintores, historiadores, músicos… Estão lá as palavras de Musset, Apollinaire, Cocteau, Géricault, Flaubert, Puccini, Guitry, Alexandre II, Stendhal. Está lá um dos raros exemplares das mensagens trocadas entre o compositor Frédéric Chopin e a escritora George Sand (a maioria foi destruída quando o casal se separou); as notas rápidas no papel de um hotel de Helsínquia de um Mick Jagger em digressão, dirigidas a uma jovem que conhecera num programa de televisão, Tish Ladden; as páginas em que o autor-aviador Saint-Exupéry demonstra a sua óbvia obsessão por uma jovem enfermeira de 23 anos que conhecera num comboio e que parece não lhe dar importância alguma.

“Todos são testemunhos de uma época em que as declarações de amor se faziam em papel”, continua Gaudry, umas mais poéticas e subtis, outras mais explícitas e directas, como as que a Edith Piaf dirige a um dos seus amantes, o ciclista Louis Gérardin, elogiando o “lindo rabo” e os “maravilhosos músculos” do atleta: “Nenhum homem me possuiu como tu. Ammmmmmmmmmmmo-te”, escreve a cantora.

“Qualquer pessoa que leia uma carta que não lhe foi endereçada torna-se o seu destinatário. É esta a magia do género epistolar”, disse ao diário espanhol El Mundo Gérard Lhéritier, director deste museu parisiense que tem já no seu espólio 136 mil documentos.

Foi Lhéritier, dono de uma empresa especializada na compra e venda de manuscritos, quem fundou este museu que tem no seu acervo a certidão de casamento entre Napoleão Bonaparte e Josefina e o Manifesto Surrealista de André Breton. 

Entre as mais significativas do conjunto agora exposto, defendem Gaudry e Lhéritier, estão as trocadas entre o escritor Léon Bloy e a sua futura mulher, Jeanne Molbech (é, aliás, a frase com que começa uma das cartas de Bloy que dá título à exposição), e entre o autor de Os Miseráveis, Victor Hugo, e a sua amante, Juliette Drouet.

Hugo e Drouet conheceram-se numa noite de teatro, em 1833, e nunca mais se separaram. Foram amantes durante 50 anos e, para se dedicar exclusivamente ao escritor, exigente e ciumento, diz Gaudry, a actriz teve de deixar a sua carreira. Drouet escreveu-lhe mais de 20 mil cartas – pelo menos uma por dia – entre 1833 e 1883, ano em que morreu.

“No coração não há rugas”, escreveu-lhe Victor Hugo em 1847, numa das cartas em que celebravam mais um 17 de Fevereiro, dia da sua primeira relação sexual. “O amor não é apenas a vida, o amor é a juventude.” E Drouet respondia-lhe: “A minha vida está toda em ti.” E assim era, já que a actriz o acompanhou até quando Napoleão III o abrigou a deixar a sua casa. O escritor retribuiu assim: “Onde tu estás não há exílio.”

 

 

 

 

 

 

 

Sugerir correcção
Comentar