Amazon vai produzir filmes indie

Posicionou-se a meio caminho entre o Netflix e as salas de cinema: vai produzir filmes, estreá-los em sala mas pô-los rapidamente na Internet. "Seja onde for que os clientes os vejam.”

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Jeffrey Tambor em "Transparent", a série premiada da Amazon DR

A semana começou assim: uma foto de cena de Transparent, a comédia sobre um pai que revela ser uma pessoa transgénero que pôs a Amazon na história da televisão por ganhar um Globo de Ouro de Melhor Série de TV quando nem sequer é um canal de televisão. Tudo porque a maior loja online do mundo vai agora produzir filmes sob o chapéu da Amazon Original Movies. Filmes “indie”, como precisa o vice-presidente da Amazon Studios. E um empurrão que a coloca a meio caminho entre as novas formas de consumir audiovisual.

A Amazon vai produzir e adquirir direitos de filmes para exibição em sala e, pouco tempo depois – sendo “pouco tempo” é a expressão-chave nesta novidade –, estarão disponíveis no seu serviço pago de streaming, o Prime Instant. Serão “indie”, como descreveu Roy Price ao New York Times por e-mail, com orçamentos entre os 5 e os 25 milhões de dólares. O negócio é apenas válido para os EUA e para já é um plano desenhado com equipas – a Amazon já contratou um director de produção, Ted Hope (O Tigre e o Dragão, Comer Beber Homem Mulher) - e datas dentro –, a produção começa este ano e estão previstos cerca de 12 filmes/ano. Mas ainda não há títulos, nem planos de expansão desta hipótese para fora dos EUA. É um negócio arriscado.

“Em 2015, os consumidores não percebem porque é que existe um intervalo excessivamente amplo entre ver um filme num cinema ou ver um filme em casa”, disse Rich Greenfield, analista de média na BTIG Research, ao New York Times na segunda-feira, dia do anúncio da entrada da Amazon na produção cinematográfica. E o avançar da Amazon para este mercado tem não só a importância da entrada de um novo player na área da produção mas também a de ser mais um pequeno empurrão na mudança da paisagem audiovisual e dos paradigmas de consumo pós-advento da Internet. Que enfrenta resistências do lado dos exibidores, os donos das salas que têm recusado perder as suas margens de lucro obtidas através da venda do maior número de bilhetes possível tendo a ida às salas como duradouro exclusivo.

De acordo com o plano da Amazon anunciado em comunicado na segunda-feira, a tradicional distância americana que separa a estreia em sala de cinema da chegada às salas domésticas de um filme – que pode ir dos nove meses a um ano – vai encurtar no que aos filmes indie da Amazon Original Movies diz respeito. Um ou dois meses, no máximo, de exclusividade em sala e depois estará no Prime Instant Video.

Serão filmes centrados em “histórias, vozes e personagens únicas de criadores de topo e de criadores ascendentes”, segundo a Amazon Studios, que faz este anúncio uma semana depois de pela primeira vez na história um serviço de streaming ter ganho um Globo de Melhor Série - neste caso, com Transparent, que passa em Portugal no canal TV Séries, depois de o serviço concorrente da Amazon, o Netflix, ter já ganho vários prémios de interpretação e técnicos por Orange is the New Black ou House of Cards. E poucos dias depois de ter também anunciado que Woody Allen (um “criador de topo”) vai estrear-se em “televisão” na criação de uma série para a Amazon, através do seu serviço Amazon Prime. A Amazon tem ainda na forja a série de comédia Red Oaks, produzida por Steven Soderbergh, ou The Man in the High Castle, série baseada no romance O Homem do Castelo Alto, de Philip K. Dick, produzida por Ridley Scott.

O Netflix, que não está disponível legalmente em Portugal, tem também na sua pequena grande lista de produções alguns nomes de topo, como o actor Kevin Spacey e o realizador David Fincher (House of Cards, também do TV Séries), e juntou no ano passado mais uns nomes ao seu elenco em expansão. O gigante do streaming anunciou em Outubro que vai produzir quatro filmes de Adam Sandler em conjunto com o actor cujas comédias já renderam 3 mil milhões de dólares nas bilheteiras do mundo e que estes filmes nada terão a ver com as salas – estreiam online e em exclusivo nos países onde o Netflix está presente. E dias antes já tinha revelado uma parceria com outros VIP da indústria, os irmãos Weinstein, com os quais vai produzir a sequela de O Tigre e o Dragão (2000), Crouching Tiger, Hidden Dragon: The Green Legend. Se os filmes de Sandler ignoram à partida as salas, este lançamento tem outra particularidade – será feito no modelo day and date, ou seja, o filme vai chegar às salas de cinema IMAX e à Internet no mesmo dia (28 de Agosto deste ano).  

E ainda no Natal passado, a questão do lançamento simultâneo em sala e no home-video foi levantada com a vítima do escândalo dos hackers da Sony, quando The Interview acabou por se estrear na Internet e apenas em salas de pequenos exibidores e não nas grandes cadeias de cinemas. Na altura, entre ameaças ciberterroristas e a intervenção da Casa Branca, fontes do sector disseram aos jornalistas que a decisão de estrear o filme em todas as plataformas, online inclusive, minou a vontade dos grandes exibidores de perder a exclusividade da estreia da comédia. Na altura, os analistas tanto viram um potencial impacto positivo na flexibilização dos lançamentos quanto se resguardaram na pequena dimensão e circunstâncias peculiares desta estreia.

Segundo a Variety, os maiores exibidores dos EUA recusaram já estrear Crouching Tiger, Hidden Dragon: The Green Legend nas salas com tecnologia IMAX exactamente porque está prevista a sua estreia simultânea na web, por exemplo. A Amazon não revelou ainda se terá algum tipo de parceria ou contrato com exibidores.

No caso da Amazon, a questão será se esta margem, esta janela de quatro a oito semanas, será suficiente para convencer os exibidores e, assim, começar lentamente a mudar as regras do jogo. É uma atitude diferente da do Netflix, que se atira ao day and date, porque assim a Amazon coloca-se a meio caminho entre os desejos dos exibidores e os dos consumidores. Anne Thompson e Ryan Lattanzio escrevem no IndieWire que agora “os estúdios rivais podem ser inspirados para se chegar à frente e equipararem a janela [de dois meses] da Amazon, mostrando potencialmente outra vez cara feia aos exibidores”. E lembram ainda que esta nova divisão da Amazon é também compradora de direitos e que pode começar a arrecadar já no Festival de Sundance.

"A Amazon Original Movies vai ser sinónimo de filmes que espantam, excitam e comovem os nossos fãs, seja onde for que os clientes os vejam”, disse Hope à Variety, acabado de sair do cargo de CEO do site de streaming de filmes indie Fandor. E Roy Price, citado pela IndieWire, acrescenta que se a TV está de facto numa “nova era dourada”, “a morte do cinema tem sido muito exagerada”. O seu contributo? “Acreditamos que podemos ajudar este tipo de filmes a encontrar um público e um modelo de negócio saudável onde os artistas podem obter um bom retorno financeiro pelos seus esforços e manter-se de facto no cinema como carreira.”

A Amazon Studios lançou-se em 2010 enquanto estúdio de produção num esquema que pedia aos candidatos o envio de inscrições online de projectos/guiões que poderiam, depois de escolhidos, ter orçamentos de 2,7 milhões de dólares que depois produziria para lançar no circuito comercial convencional. Nada que tenha a ver com a nova aventura da empresa, mas actualmente, segundo a Variety, há 14 títulos em produção saídos desse pedido de 2010.

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