Ainda ouço o Jaime

Jaime Fernandes tinha muitos amigos mas isso só me desconsola mais ainda: somos muitos a sofrer a dor tremenda de nunca mais podermos falar com ele, abraçá-lo, dizer-lhe o muito que lhe devemos, contar-lhe o amor que temos por ele e que agora estamos a pagar como gente grande.

O Jaime era um adulto. Era um adulto brincalhão que ensinava tudo o que sabia – sobre rádio, sobre música, sobre a maneira de ser dos seres humanos – sem que nós déssemos pela lição. Ele deixava-nos sermos nós. Não queria discípulos. Não deixava criar obrigações.

O Jaime era um luz da liberdade e da expressão radiofónica e musical. Fazer programas de rádio com ele era delicioso porque ele fazia tudo por amizade, mas sempre com o mais apurado profissionalismo.

O Jaime era radiante, risonho, civilizado. Tinha o dom – porque ultrapassava qualquer mera generosidade - de aceitar as pessoas como elas eram, cada uma com as suas pancadas. Não era um perfeccionista. Os perfeccionistas são uns chatos. O Jaime era um realizador, produtor, autor e locutor que facilmente atingia a perfeição mas vivia bem com as imperfeições dos outros, corrigindo-as com a polidez de execução, calma e culta, que fazia parte do estilo dele.

Fazia tudo por amizade e por amor. O Jaime tinha o coração tão grande que cabiam lá o amor imenso que tinha pela mulher Maria Dulce e pela filha Rita e os amores todos pela família, pelos amigos, pela música, pela rádio, pelo trabalho, pelos colegas, pela vida. Sofreu com Maria Dulce a pior das dores quando o filho Miguel morreu com 20 anos, de repente como agora morreu o Jaime. Sofreu mas nunca virou a cara à vida, às pessoas que ajudou, às coisas, nobres e inúmeras, pelas quais lutou.

O Jaime era um vencedor discreto e corajoso, uma grande alma, sensível e afectuosa, que se comovia facilmente. O sorriso, o riso e os olhos e a voz do Jaime enchem-me agora de saudades, à medida tristíssima que se vão transformando em memórias, lágrimas, meras palavras e na coisa que lhe era mais estranha: o silêncio.

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